Diário do Alentejo

Escola: Terceiro período arranca com ensino à distância

22 de abril 2020 - 09:40

O último terço do ano letivo 2019/2020, agora iniciado, será totalmente lecionado, do 1.º ao 9.º ano de escolaridade, a partir de aulas e de conteúdos disponibilizados através de plataformas online e de canais televisivos, com a telescola, agora denominada #EstudoEmCasa, a constituir-se novamente como um veículo de transmissão de conteúdos educativos. Com professores, alunos e pais espalhados por uma “sala do tamanho do mundo”, o “Diário do Alentejo” foi auscultar as emoções que reinam nestes agentes da linha da frente na “nova escola”.

 

Texto José Serrano e Luís Miguel Ricardo 

O terceiro período arrancou na passada terça-feira, dia 14, mas a maioria dos alunos já não regressará presencialmente à escola durante o decorrer do ano letivo. As escolas estão encerradas desde 16 de março, data em que o Governo, no âmbito das medidas de prevenção da covid- 19, decidiu suspender todas as atividades letivas presenciais e os alunos trocaram a sala de aula por um espaço na sua casa, passando a ter aulas online e a receber os trabalhos escolares por via eletrónica. Com o início do terceiro período regressa o modelo de ensino à distância para todos os alunos do 1.º ao 10.º ano, admitindo o Governo apenas o eventual regresso às escolas, em maio, dos alunos dos 11.º e 12.º anos, decisão que está ainda a ser equacionada.

 

Sofia Monteiro, presidente da Direção da Associação de Pais da Escola de Santiago Maior, em Beja, considera que os alunos desta instituição “terão de se adaptar, como todos os outros”, a esta solução de ensino à distância. Uma solução que trará novos desafios à relação entre professores alunos e famílias, constituindo- -se os pais, “pela capacidade de organizar e apoiar a realização dos trabalhos enviados pelos professores”, e a existência de meios próprios necessários – computador, Internet, televisão – elementos fundamentais para o sucesso desta adaptação educativa.

 

“Preocupa-nos que em muitos casos estas condições não estejam asseguradas”, diz Sofia Monteiro, considerando que “muitos alunos ficarão excluídos deste processo [de aprendizagem]” e que “se nada for feito, lacunas mais ou menos significativas se irão refletir nos próximos anos de formação”. Um comprometimento que poderá advir da falta de meios informáticos e da dificuldade de alguns pais em “acompanharem e organizarem o estudo e as tarefas” que as aprendizagens exigem.

 

“Alunos provenientes de meios onde existem vários tipos de carências podem ficar em grande desvantagem. Falamos de carências materiais, de competências escolares e de estabilidade emocional. Existem ainda os alunos com dificuldades e/ou deficiência, de natureza variada, cujo processo de aprendizagem e estimulação requer professores de ensino especial, técnicos e meios especializados”, ficando, na ausência destes, “completamente desprotegidos, pese embora as orientações dadas às equipas multidisciplinares, que com eles trabalham nas escolas”.

 

“É preciso que se saiba que, para muitos destes alunos, ficar parado por quatro ou cinco meses representa retrocesso, perda de qualidade de vida e até de condições de saúde e de bem- -estar. Conhecer as dificuldades com que nos deparamos, no contexto específico da escola de Santiago Maior e das outras escolas do mesmo agrupamento, tem de nos levar a procurar soluções para além das propostas pelo Ministério da Educação”, refere Sofia Monteiro.

 

A ALTERNATIVA POSSÍVEL

O ensino à distância “é a alternativa possível”, mesmo sendo “claramente menos eficaz do que o ensino presencial”, diz Fernando Évora, professor do 3º ciclo e do secundário no Agrupamento de Escolas de Odemira. “Não havendo a proximidade, não temos a perceção clara das dificuldades dos alunos. Também se torna mais difícil perceber os seus anseios, os seus problemas, os seus sonhos, em suma, compreendermos o outro, que deve ser o ponto de partida de qualquer relação. E, claro, a promoção de uma educação para a cidadania é quase uma miragem nestas condições”.

 

E os receios do Fernando Évora continuam: “Ausência de retorno por parte dos alunos que me permita melhorar a prática pedagógica; não saber ao certo quem está a fazer os trabalhos sugeridos; não tirar todo o partido dos meios tecnológicos, pois apesar das formações e do esforço desenvolvido, a minha formação e crescimento não aconteceram na era digital”. Na sua opinião, há o risco de muitos alunos ficaram fora deste sistema de ensino, seja por não terem computador ou acesso à Internet, seja porque venham a “desligar” do registo virtual “e interiorizem a ideia de facilitismo”.

 

Mudam as idades, mantêm-se as preocupações. “Os meus alunos pertencem a uma faixa etária entre os 6 e os 8 anos, o que torna este processo ainda mais complicado. Além disso, a minha turma tem muitos alunos de etnia cigana, sem computador, sem internet e por isso sem forma de acederem a meios tecnológicos”, diz Conceição Costa Lobo, professora do 1º e do 2º ano no Agrupamento de Escolas de Vidigueira, acrescentando que a solução encontrada para estes alunos passa pelo envio de fichas de trabalho e uma conversa telefónica diária com os pais para esclarecimento de dúvidas. “Relativamente às outras famílias, criei um grupo privado de Facebook e utilizamos a plataforma Zoom”.

 

Para além destas hipóteses tecnológicas, a Moodle e a Google Classroom são outras alternativas com que Conceição se prepara para abordar o terceiro período letivo. Mas, mesmo munida de todas essas ferramentas, receia não conseguir criar condições para que todos tenham as mesmas oportunidades de aprendizagem, e que fatores como a desmotivação e a dificuldade dos encarregados de educação para ajudar possam promover uma diferenciação indesejada.

 

“Este é o maior desafio que já tive enquanto professora e também o está a ser para os meus alunos e para toda a comunidade educativa”. Tal como a colega Conceição, Ana Carla Feixeira, professora do 1ºano no Agrupamento de Escolas nº1 de Beja, considera a idade dos alunos uma dificuldade acrescida para o ensino à distância, e teme que os conteúdos na televisão sejam insuficientes sem o complemento do professor. E esse complemento, ao ser feito com recurso às tecnologias, vai criar vários constrangimentos: incapacidade técnica dos alunos; necessidade da presença do adulto, que pode estar a trabalhar e não conseguir dar esse apoio; e dificuldade nos recursos disponíveis.

 

“Será justo estarmos, numa altura como esta, a criar um ensino de classes, em que quem pode recebe o ensino e quem não pode fica de fora? Todos têm de ter oportunidades iguais no que concerne à aprendizagem”, desabafa. Os receios de Ana Carla centram- -se essencialmente na diferença que a “nova escola” pode promover entre os alunos. “Nenhum aluno é igual, existem diferentes ritmos de aprendizagem e em sala de aula consigo detetar as diferenças e trabalhá-las individualmente”. Outra preocupação prende-se os recursos tecnológicos, e os exemplos que avança são a forma de receção de conteúdos televisivos, TDT ou pacote pago, e o ter ou não ter um computador apetrechado para o efeito.

 

RECEIOS DE PAIS E ALUNOS

A frequentar o 11º ano no Agrupamento de Escolas nº 2 de Beja, Mariana Madeira, 16 anos, considera que, não sendo o ideal, até porque pode incentivar alguma “desonestidade”, a solução encontrada – e que, no seu caso, poderá passar por um regresso a aulas presenciais – acaba por ser a melhor alternativa face ao cenário que se vive. “Tenho algum receio de não conseguir subir as notas com a mesma facilidade, e receio também poder ser prejudicada na preparação para os exames”.

 

Quem já não voltará à escola até final do ano letivo é Luís Amarelinho, 13 anos, aluno do 8º ano no Agrupamento de Escolas nº1 de Serpa. Apesar de recear a ausência presencial dos professores quando tiver dúvidas para esclarecer, e também não saber como vai funcionar o novo conceito de escola, considera que o ensino à distância “é bom porque assim não nos atrasamos nas matérias e é uma forma de estarmos em contato com os nossos colegas e professores, mesmo que seja virtualmente”.

 

Aluno do 8º ano do Agrupamento de Escolas da Amareleja, Guilherme Valente, 13 anos, confessa que não lhe agrada a “nova escola”, pois preferia o contacto com os professores. Já sobre os receios que o acompanham, identifica-os assim: “Perder as aulas por falhas de internet ou televisão. Tenho mais dois irmãos que frequentam a mesma escola e por isso não vai ser fácil. Também tenho receio em relação ao tempo que vou ter para a realização das atividades”.

 

São dúvidas partilhadas pelos encarregados de educação. Lúcia Panóias é mãe de um filho a frequentar o 11º ano no Agrupamento de Escolas nº 2 de Beja. Dadas as circunstâncias, considera que o ensino à distância é uma alternativa válida, e como também vai estar em regime de teletrabalho espera conseguir gerir a situação com alguma tranquilidade: “O meu receio é a deficiente preparação do meu educando, com a agravante de ter de realizar exames”. Como estratégia de compensação, pondera as explicações online, nas disciplinas em que vai realizar exame, a exemplo do que já vinha a fazer de forma presencial. Ana Isabel Pinheiro tem dois filhos na escola. O mais novo, de sete anos, frequenta o 2º ano, e a mais velha, de 15 anos, frequenta o 10º ano, ambos no Agrupamento de Escolas nº 1 de Beja. O ensino à distância é a alternativa possível, mas para ser viável obriga a ajustes nas rotinas da família.

Ana Isabel vai chamar a si a responsabilidade de acompanhar a aprendizagem dos filhos, o que implica a redução do tempo de trabalho e a consequente diminuição dos rendimentos do agregado. Dois filhos, duas preocupações distintas. Se para o mais novo, o foco se prende essencialmente com as regras e as obrigações que é preciso incutir, com a mais velha, os receios moram no manter das avaliações, porque já contam para entrar na faculdade.

 

“À partida não será uma situação fácil, pois também eu, como professora, estou numa fase de aprendizagem da formação à distância”, diz por sua vez Maria de Lurdes Palma, cujo filho frequenta o 8º ano no Agrupamento de Escolas nº 1 de Serpa. Maria de Lurdes considera que o ensino à distância é uma boa alternativa, pois vai manter os alunos ligados aos conteúdos essenciais. Porém, há a preocupação de não conseguirem dominar as ferramentas de aquisição de aprendizagens.

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