Diário do Alentejo

“Os afetos sobrepõem-se a qualquer diagnóstico”

15 de dezembro 2023 - 10:30
Livro de Sónia Nunes reflete sobre a perturbação do espectro do autismo
Foto | D.R.Foto | D.R.

Sónia Nunes

40 anos, natural de Aldeia de Palheiros (Ourique)

 

Mestre em Psicologia da Saúde pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve. É psicóloga especialista, inscrita na Ordem de Psicólogos Portugueses. Para além desta área, tem especialização em mediação familiar. Exerce, há mais de 15 anos, funções na área da deficiência e incapacidade, sendo, atualmente, diretora técnica de uma estrutura residencial para pessoas com deficiência. 

 

João, Onde se Sente o Coração é o título do livro, recentemente publicado, da autoria de Sónia Nunes, que conta com ilustrações de Alexandre Prazeres.

 

O personagem principal deste seu livro, o João, é uma criança diagnosticada com uma perturbação do espectro do autismo. Manifesta esta história a importância de dar a conhecer à sociedade, em geral, aspetos essenciais desta perturbação, desmitificando alguns dos preconceitos associados?

Sem dúvida. Se queremos uma sociedade completamente inclusiva temos que falar sobre estes temas. Para que eles possam ser verdadeiramente aceites é importante que se conheçam, que as pessoas falem sobre saúde mental de uma forma natural. Só assim, tornando estes temas assuntos comuns, conseguiremos ultrapassar preconceitos.

 

Considera que o autismo de uma criança é, ainda, a forma preponderante de defini-la?

O autismo, por si só, como qualquer outro problema de saúde, não define a pessoa. O autismo é uma perturbação do desenvolvimento com um espectro enorme. Existem pessoas com perturbação do espectro do autismo, que, embora tenham em comum o facto de terem dificuldade no estabelecimento de relações interpessoais, apresentam características completamente diferentes. Acompanho pessoas com diagnósticos profundos, que não falam, não interagem, e pessoas com perturbação do espectro do autismo que são licenciados. O meio tem um papel preponderante no desenvolvimento, mas não se esgota nessa justificação. Há, na base, uma competência diferente, em termos clínicos, que define logo um determinado caminho. A ele alia-se o meio, a família, os apoios e é esse conjunto que define o potencial de desenvolvimento de cada um.

 

Como deve ser encarado pelos pais o diagnóstico de autismo de um filho e que medidas devem ser consideradas tomar?

Quando nasce um filho e os pais são confrontados com uma situação de saúde é sempre um momento de grande tensão no seio da família. Acrescido à insegurança da situação, do desconhecido, da confrontação com um diagnóstico, há uma exigência em fazer o luto de todas as expectativas que ficaram para trás e iniciar um processo de aceitação. É um caminho longo que para umas famílias pode ser mais fácil, mas que para outras poderá deixar cicatrizes. É fundamental procurarem apoio de uma equipa multidisciplinar, que esteja atenta não apenas à criança, mas também a todo o núcleo familiar, que apoie a criança no seu processo de desenvolvimento, mas que ampare a família e a potencie.

 

O que mais gostaria que este livro levasse aos corações dos seus leitores?

Este livro fala essencialmente sobre o afeto. Mais do que falar sobre uma perturbação em concreto, e todas as implicações que daí possam advir, a mensagem principal do livro é que o afeto, as emoções, se sobrepõem a qualquer diagnóstico. Ao longo da minha vida profissional tenho tido contacto com imensas pessoas, em todas elas há um ponto comum: os afetos (ou a falta deles).

 

Texto | José Serrano

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