Diário do Alentejo

“A liberdade, como a democracia, nunca é um dado adquirido”

20 de abril 2024 - 12:00
Antes do 25 de Abril: Era Proibido, de António Costa Santos

Quadro de honra | António Costa Santos, 66 anos, natural de Lisboa

 

É jornalista há quase 50 anos e faz rádio na “Antena 2”. Trabalhou em vários jornais, escreveu guiões para televisão e cinema, publicou vários livros, de ensaio, ficção e humor, e traduziu muitos outros. Quando se reformar, vem viver para o Alentejo, onde pretende fazer uns litros de azeite e escrever mais qualquer coisa. Tem quatro filhos, a quem julga ter ensinado o valor supremo da liberdade.

 

Foi recentemente publicada uma nova edição do livro Antes do 25 de Abril: Era Proibido, uma “viagem às proibições do tempo da outra senhora”, da autoria do jornalista António Costa Santos.

 

O que revelam do regime salazarista leis como a obrigatoriedade de se possuir uma licença do Estado para usar isqueiro ou a necessidade de as mulheres precisarem de autorização do marido para poderem viajar?

Revelam que os portugueses viveram um tempo cinzento e negro, sufocante e triste para quase todos e doloroso e fatal para os que se opunham ao regime. As proibições que inventario no meu livro podem parecer (e são) bizarras e caricatas, mas no seu conjunto representam uma vidinha chata e oprimida, vivida com medo e desconfiança do próximo, o conhecido come-e-cala, o cá-se-vai-andando, o não-faças-ondas, uma política concebida para amachucar as pessoas.

 

Várias medidas governamentais da época eram dirigidas às mulheres. Qual o porquê desta minoração da figura feminina?

A ditadura, além de reprimir todos os cidadãos, tinha uma preocupação acrescida de manter a “ordem moral” no que tocava às mulheres, que deviam estar numa posição de subalternidade em relação ao homem. Essa política seguia as normas da Igreja Católica e é, à escala, o que vemos hoje nas teocracias islâmicas. Para o Salazar, a mulher era a mãe, a dona de casa, a empregada do marido e dos filhos, até do pai viúvo, e tinha de se “portar bem”. Ele precisava do contributo económico da mulher, mas essa atividade profissional tinha que se submeter à hierarquia, com o homem no topo. Qualquer marido tinha o poder de exigir ao empregador da esposa que a despedisse, se não quisesse que ela trabalhasse fora de casa. As questões do vestuário e dos centímetros de pele feminina que podiam andar à mostra vêm nesta ordem de ideias.

 

Crê que a maior parte destas leis ainda acolhem adeptos, hoje?

A maior parte das leis, não diria. Nem o mais estúpido dos conservadores e antidemocratas apoiaria a proibição da Coca-Cola, ou a exigência de uma licença de isqueiro. Mas as leis que se metiam na vida privada dos cidadãos, que proibiam, por exemplo, a homossexualidade ou a prostituição, e as mais gerais como a censura da imprensa, dos livros e dos discos, ou as que proibiam, por exemplo, as greves, ou secundarizavam a mulher, essas têm adeptos fervorosos e cada vez mais descarados, sem dúvida.

 

Que lei gostaria de ver abolida, por não se coadunar com o “espírito” de Abril?

Assistimos a manifestações da vontade de retroceder em várias liberdades que o 25 de Abril nos deu, nomeadamente, a liberdade de expressão. Outras conquistas, como a descriminalização do aborto, o casamento gay ou a laicização do ensino público, começam a ser postas em causa. Os direitos das mulheres também estão sob ataque. Ou seja, é uma conquista que tem de ser defendida. Saber como era “dantes” é meio caminho andado para não se querer abdicar da liberdade que vivemos hoje. Foi por isso que escrevi este livro.

 

Texto José Serrano

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