Diário do Alentejo

Acos

06 de outubro 2023 - 15:35
A associação que nasceu dos “homens da pecuária” em 1983
Foto| Ricardo Zambujo/ACOSFoto| Ricardo Zambujo/ACOS

A Associação dos Agricultores do Sul (ACOS), em tempos Associação de Criadores de Ovinos do Sul, assinala neste ano quatro décadas desde que foi constituída. Na sua base esteve um pequeno grupo de criadores pecuários que queriam fazer-se ouvir e ver suprimidas as suas necessidades. Volvidos 40 anos, a ACOS continua a ser o espelho dos produtores alentejanos.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa 

 

Sentado numa das atuais salas de reuniões da sede da Associação dos Agricultores do Sul (ACOS), em Beja, os seus 87 anos não deixam esfriar as memórias daquele mês quente de 83. Com algumas anotações, escritas à mão, Rui Conduto recorda a ocasião em que o “pequeno grupo de criadores de ovinos que vivia em Beja” e que, informalmente, “se relacionavam para discutir os problemas da ovinicultura alentejana”, se associou.

“Tive o privilégio de há cerca de 40 anos, em 1983, ter feito parte deste grupo de criadores de ovinos que entendeu que era oportuno, para defender os seus interesses de criadores e da própria ovinicultura alentejana, constituir-se como uma associação, [ou seja] a Associação de Criadores de Ovinos do Sul”, começa por lembrar ao “Diário do Alentejo” (“DA”).

Ainda com o período conturbado da Reforma Agrária, nos finais dos anos 70, bem presente e com a falta de representatividade do setor na região, os “homens da pecuária” sentiram a necessidade de, em conjunto, defenderem os seus interesses e a própria agricultura alentejana, sob o ideal de que “associados” seria “diferente”. Ao fim de um ano a associação contava com 700 criadores inscritos.

Mais tarde, em 1986, com a entrada de Manuel de Castro e Brito para a ACOS, a associação alcançou um dos seus maiores feitos, isto é, o edifício da sua atual sede.

“A entrada do Castro e Brito para a ACOS foi o momento mais marcante para a associação, [porque] este conseguiu que o pavilhão das lãs, que pertencia ao Iroma [Instituto Regulador e Orientador dos Mercados Agrícolas], fosse cedido à ACOS”, revive.

Uns anos depois, com as verbas do Plano de Desenvolvimento do Alqueva (Pediza), a ACOS e a Câmara Municipal de Beja conseguiram o financiamento para o “grande pavilhão do parque de exposições” da cidade de Beja, o atual Parque de Feiras e Exposições Manuel de Castro e Brito.

 

“HOJE EM DIA SOMOS UMA ASSOCIAÇÃO DE REFERÊNCIA NA NOSSA REGIÃO”

Quarenta anos volvidos, o balanço do crescimento da ACOS é “muito grande”, tendo hoje não só perto de 1800 associados, como “entre 72 e 75” trabalhadores fixos, sem contabilizar com “os veterinários que colaboram connosco e que são outras dezenas largas”.

“Esta é uma associação que tem tido um papel, de facto, determinante no desenvolvimento da agricultura desta região e até do País, porque [atualmente] não é só uma associação de criadores de ovinos, tem agora também muitas outras vertentes”, realça Rui Conduto.

Por este mesmo motivo, em 2012, a então Associação de Criadores de Ovinos do Sul alterou os seus estatutos e reformulou-se, passando a denominar-se Associação dos Agricultores do Sul, uma vez que era necessário “abranger todo o tipo de atividades”.

Neste momento, a coletividade que se iniciou com o intuito de obter soluções para o setor mantém-se com a mesma linha de pensamento, dando agora respostas ao nível da defesa sanitária em seis concelhos – Beja, Ferreira do Alentejo, Vidigueira, Cuba, Alvito e Portel –, da recolha de cadáveres de animais a sul do Tejo, da análise veterinária e de qualidade no setor oleícola, da venda ao público, nomeadamente, de produtos veterinários e rações, das inspeções de equipamentos, da formação, da comercialização de bovinos, do serviço de tosquia e concentração de lãs, bem como do apoio técnico prestado aos agricultores.

“Fomos crescendo e criando serviços à medida que fomos sentindo que havia essa necessidade, quando os próprios produtores nos faziam sentir isso ou porque nós sentíamos que para a região era fundamental. Fomos crescendo, fazendo várias atividades e podemos dizer com algum orgulho que hoje em dia somos uma associação de referência na nossa região e não só”, refere ao “DA” o atual presidente, Rui Garrido.

Neste ponto, Manuel Soares, técnico de apoio da ACOS e um dos trabalhadores mais antigos da casa, corrobora. Há 31 anos, recorda, foi integrado no âmbito “de mais um desafio que a ACOS aceitou” e que, desde então, tem ajudado a colmatar. “Na altura, quando vim para cá, a direção saiu da sua zona de conforto, porque entendia haver uma prioridade em disponibilizar apoio técnico aos agricultores e foi por isso que, inicialmente, vim trabalhar para a ACOS. A partir de então, temos estado a ajudar os produtores, o que não é fácil, principalmente, numa classe que tem alguma relutância à novidade, mas que depois é prejudicada por não conhecer. Este apoio técnico que me foi pedido para ajudar os produtores foi um pouco para fazer essa ponte com os desafios que os produtores têm. Assim, nós traduzimos isso para uma linguagem que o agricultor perceba e que consiga pôr em prática”, explica.

 

“A OVIBEJA É A CARA DA ACOS”

Após uma primeira participação na Feira da Primavera, em maio de 1984, onde a associação recém-criada e os seus produtores “apresentaram os seus ovinos e fizeram concursos”, começou a organizar-se, anualmente, a conhecida Ovibeja. O evento surgiu com o intuito de desmistificar o mundo rural e as ideias pré-concebidas, muitas vezes incorretas, fruto do desconhecimento dos que estão fora do meio. Desta forma, a criação da Ovibeja foi um marco importante para “mostrar a quem não está ligado ao setor esta realidade”.

“Por exemplo, eu quando comecei a trabalhar na Ovibeja, lembro-me de estar no parque dos animais para esclarecer dúvidas aos visitantes e houve um comentário de uma rapariga que me ficou marcado para sempre. Não sei de onde era, mas a rapariga ficou intrigada e perguntou-me por que é que nós pintávamos as ovelhas. Tive de lhe explicar que aqueles animais eram de raça merino preto e que a sua coloração era mais escura e que não eram pintadas, tratava-se apenas de uma raça autóctone que tinha estas características”, recorda Manuel Soares com um sorriso. E acrescenta: “Espero que aquela rapariga tenha ido mais enriquecida”.

Assim, para Rui Garrido, o certame é uma peça chave para o desenvolvimento da ACOS e “hoje em dia já não é uma feira da ACOS, é uma feira de todos nós e é esse o sentimento que queremos manter”.

“A Ovibeja é a cara da ACOS. [Atualmente], o certame tem aspetos muito positivos e até afetivos. A Ovibeja é de todos e as pessoas, os participantes e os visitantes sentem que a Ovibeja é deles e sentem-na como sua. Por exemplo, os jovens vêm à Ovibeja porque se identificam com ela, porque a sentem deles”, afirma, por sua vez, Rui Conduto.

 

“TEMOS DE SER CAPAZES DE CRIAR MAIS AGRUPAMENTOS DE PRODUTORES

Os olhos estão postos no futuro, sabendo, de antemão, que será necessário correr “riscos calculados”, mas com o “mesmo espírito do engenheiro Castro e Brito”, ou seja, “olhar sempre em frente e ter novos desafios”.

Além das constantes alterações das necessidades dos produtores, inevitáveis e imprevisíveis, Rui Garrido tem bem definidas as suas intenções quanto ao caminho que a ACOS tem de assumir. Ao nível do trabalho desenvolvido pela associação, o presidente tem como forte aposta o aumento do associativismo em termos de “comercialização dos produtos”, assumindo que, atualmente, esta é ainda uma “grande lacuna”.

“Nós, os agricultores, e isto é uma crítica a todos nós, quando conseguimos vender bem os nossos borregos/ /bovinos não ligamos muito àquilo que é estarmos juntos e fazermos concentração de oferta para vendermos melhor e conseguirmos tirar mais-valias do nosso produto. Temos de ser capazes de criar mais agrupamentos de produtores, comercializar mais através das nossas cooperativas e criar outros agrupamentos de produtores, onde as cooperativas não chegam”, salienta. E exemplifica com o que já acontece com a carne alentejana: “Os criadores de bovinos da raça alentejana, que estava em extinção, não conseguiam vender os seus bezerros porque a percentagem de carne na carcaça era inferior a um limousine. Então tiveram de se juntar, arranjar ideias, criar um rebanho de produtores para poderem render e venderem mais, e hoje é um dos casos de sucesso”.

Rui Garrido reconhece, também, como prioridade atual e futura o importante papel reivindicativo da ACOS perante o poder político. Ao fim de “três anos com uma seca brutal”, o presidente da associação garante ser urgente que se tomem medidas, porque “não temos ajuda”.

“A seca e os fatores de produção [têm levado a que haja] pessoas com dificuldades em manter o gado e, inclusive, com pessoas a venderem-no porque não há comida e a que há é pouca e cara… Por isso, é sempre necessário estarmos atentos àquilo que é a nossa agricultura, como é que os agricultores vão vivendo, quais são as suas necessidades, que políticas é que temos e o que é que está a acontecer ou não. [Resumindo], é sempre necessário estarmos atentos e isso é sempre um desafio”, conclui.

 

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OVIBEJA ASSINALA 40 ANOS DE ASSOCIATIVISMOA 40.ª edição da Ovibeja, promovida pela Associação de Agricultores do Sul (ACOS), terá como tema central o “Associativismo”, em tributo ao grupo de “homens da pecuária” que se uniram em prol da agricultura alentejana. Em declarações ao “Diário do Alentejo”, o presidente da ACOS, Rui Garrido, adianta que, neste momento, a organização encontra-se a “escolher espetáculos, cartazes, a falar com pessoas e a debater ideias”, mas que o certame estará ligado “aos 40 anos de associativismo” da ACOS e que, por isso, existirá “uma exposição com vídeos e fotografias com tudo aquilo que aconteceu ao longo” das últimas quatro décadas. Para reafirmar a génese do evento, outra das novidades em que se está a trabalhar para a edição de 2024 é o retomar de regiões convidadas, especialmente, da vizinha Espanha. O certame decorrerá de 30 de abril a 5 de maio do próximo ano. fotos Acos/Arquivo

 

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