Diário do Alentejo

“Beja pode ser um incomparável destino romântico”

06 de outubro 2023 - 11:55
Cartas Portuguesas de Mariana Alcoforado com nova edição, de José António Falcão
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Especialista em arte cristã, consagra grande parte da sua atividade ao estudo do Alentejo, o que lhe granjeou vários prémios internacionais. Dirigiu, entre 1984 e 2016, o Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja. Exerceu funções nos museus de Évora, da Casa dos Patudos (Alpiarça), da Fundação Calouste Gulbenkian e da Academia das Ciências de Lisboa. Tem lecionado em universidades de Portugal, Espanha, Brasil e EUA. É autor de obras como Entre o Céu e a Terra, As Formas do Espírito ou No Caminho sob as Estrelas. É diretor-geral do Festival Terras sem Sombra.

 

Texto José Serrano

 

O historiador, museólogo e docente universitário José António Falcão apresentou na Patrimónios do Sul uma nova tradução de Cartas Portuguesas, cuja autoria é atribuída a Mariana Alcoforado.

 

O que vem trazer à luz este novo volume, da sua autoria, de Cartas Portuguesas? Uma nova tradução, com a particularidade de ser comentada, e um estudo histórico. É cada vez mais nítida a verosimilhança do relacionamento de madre Mariana Alcoforado com Noël Bouton, futuro marquês de Chamilly. As investigações efetuadas nas últimas décadas iluminam esta ligação, resgatando-a definitivamente do campo ficcional. Procurei estudar as cartas na perspectiva não apenas da literatura, mas também da história, inserindo-as no quadro do seu tempo. Tudo bate certo nelas.

 

Na sua opinião, quais os motivos principais do triunfo de Cartas Portuguesas, que, mais de 350 anos após a sua primeira publicação (1669), continua, internacionalmente, a apaixonar leitores e a questionar académicos?Assim sucede desde que saíram dos prelos do editor parisiense, Claude Barbin, até hoje. Esta obra retrata uma paixão dramática, tão singular e tão veemente que se tornou um ícone do amor, fazendo parte do património literário universal. Constitui também um clássico da literatura francesa da era de Luís XIV, cuja “elaboratio”, plausivelmente inspirada pela história real – e pelas cartas do punho da própria Mariana –, recai num notável autor desse período, Gabriel-Joseph de Lavergne, conde de Guilleragues.

 

Qual o impacto cultural de Cartas Portuguesas, no mundo, ao longo deste tempo? A irradiação da obra revela-se extraordinária e define um fenómeno global, tocando os mais diversos domínios artísticos: literatura, pintura, escultura, ilustração, música, cinema… Este fenómeno não se limita a uma elite, repercutindo-se na cultura popular (não faltam documentos eróticos, e até pornográficos, a provarem-no). Mariana converteu-se num símbolo poderosíssimo da paixão e criou um conceito novo na história sentimental: “O meu amor já não depende da maneira como me tratares”, lemos na segunda carta.

 

Têm as Cartas Portuguesas, enquanto património afeto a Beja, a capacidade de poder vir a valorizar, de forma mais assinável, a cidade?Beja é, por excelência, uma cidade literária e artística. De Al-Mutamid a Manuel Ribeiro ou a Mário Beirão, adensa-se aqui um património notável, que não cessa de crescer, veja-se o caso de Martinho Marques. As Cartas Portuguesas elevam esta tradição à universalidade e fazem de Mariana o maior fator de projeção da cidade. Isto foi bem compreendido por investigadores como Manuel Ribeiro, Cândido Marrecas, António Bélard da Fonseca ou Leonel Borrela. Falta repercuti-lo numa estratégia de promoção que já deu alguns passos interessantes, mas carece de outros recursos, como um centro interpretativo. O caso dos Amantes de Teruel, que analisei a pedido da Unesco, serve de exemplo: Beja pode ser um incomparável destino romântico. 

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