Diário do Alentejo

O “Diário do Alentejo” pelo mundo

02 de junho 2023 - 15:00
Semanário comemorou ontem, dia 1 de junho, 91 anos de existência
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1932 – 2023. Noventa e um são os anos que separam estas duas datas. E se o “Diário do Alentejo” é uma companhia imprescindível para muitos que estão no Alentejo ou no País, assumirá uma ligação maior à terra para aqueles que estão longe dos locais que os viram nascer. Para assinalar o seu 91.º aniversário, o “Diário do Alentejo” tentou perceber quem são aqueles que o leem religiosamente, todas as semanas, há anos, e que estão longe de Portugal. Aqueles para quem o “Diário do Alentejo” é, muitas vezes, a única ligação ao País e à região a que nunca mais voltaram.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa*

 

Cerca de 15 mil quilómetros separam o Monte dos Bens, na freguesia de Santana de Cambas, concelho de Mértola, da cidade de Perth, capital da Austrália Ocidental. É essa a distância que dista o local onde nasceu Francisco Pereira Mateus, hoje com 80 anos, da cidade onde vive há já 33 anos, desde 1990.

 

No dia em que falou com o “Diário do Alentejo” (“DA”) tinha recebido o jornal de que é assinante há 14 anos. “Para mim é bom. Gosto de saber das notícias. Gosto de ler o jornal em português. Fico satisfeito em saber algumas notícias. É uma forma de me sentir mais perto, saber o que se passa em Mértola, Beja, terras onde eu andei e que conheço”.

 

Agora reformado, a leitura do “DA” é uma das atividades que lhe ocupa os dias, a par de outro jornal que compra, “feito em Sidney” [cidade australiana]. Para além de passear e ver televisão. E se agora os dias são mais calmos, nem sempre foi assim. Viveu no Monte dos Bens até aos 20 anos, quando foi para a tropa.

 

Desses tempos de infância, não tem saudades. “Trabalhava no campo, na casa do meu pai. Trabalhava-se de sol a sol”. O serviço militar apanhou-o em plena Guerra do Ultramar, onde ainda esteve uns anos. Regressado a Portugal, à metrópole, ingressou na Guarda Fiscal.

 

Daí à ilha da Madeira foi um pulinho, onde conheceu a sua esposa, Fátima França, e casou. Da ilha portuguesa deu o primeiro salto da emigração, para San Diego, nos Estados Unidos da América (EUA), a 10 de dezembro de 1972. “Eu trabalhava na vida do mar. Era pescador do ‘tuna’, do atum. Era uma vida como outra qualquer, mas era uma vida dura também. Havia dias em que se trabalhava muito e outros em que não se fazia nada. E, dependendo do bom ou mau tempo, assim era perigosa ou não”.

 

No final da década de 80, início de 90, um passeio à Austrália havia de lhe mudar a vida novamente, deixando para trás a soalheira Califórnia, nos EUA. Uma mudança de cerca de 15 mil quilómetros, outra vez.

 

“Vim cá passear e gostei mais da Austrália. A Austrália e aqui onde vivo é muito parecido ao meu Alentejo”. Assim, por gostar do que viu e por lhe trazer memórias da sua terra natal, Francisco Pereira Mateus mudou-se para Perth em 1990, cidade banhada pelo oceano Índico, na costa ocidental da Austrália e capital desta região.

 

Apesar das reminiscências da sua terra, hoje, com 80 anos, três filhos e quatro netos, o emigrante não pensa, “por enquanto”, voltar a Portugal. “Há trinta e tal anos que não vou”. Desde que foi para a Austrália. A ligação, essa, continua a mantê-la através do “DA”. E da família – esposa, filhos e netos –, que mantém alguma relação com o País.

 

Multimédia0Foto | Francisco Pereira Mateus, Do Monte dos Bens a Perth, com escala em San Diego

 

ENTRE CHARLIEU E A ALDEIA DE PALHEIROS

À semelhança de Francisco Pereira Mateus, também Manuel António Agostinho deixou as paisagens douradas do Alentejo após a tropa. Esteve em Angola algum tempo a cumprir o serviço militar, mas, aos 25 anos, depois de deixar a província ultramarina, decidiu tentar a sua sorte na comuna francesa de Charlieu.

 

A vida, segundo diz ao “DA”, sorriu-lhe e agora, da sabedoria dos seus 77 anos, garante que foi essa a decisão que lhe permitiu dar uma boa “educação” e “cultura” aos seus três filhos.

 

“Quando vim da tropa estive aí dois anos, mas vi que em Portugal não havia diferenças de um dia para o outro e então decidi, como muito dos nossos compatriotas, emigrar. Felizmente tenho tido sorte. Tenho três filhos e todos eles com uma situação muito boa, portanto, dei-lhes aqui uma educação e uma cultura que não podia dar em Portugal”.

 

Reformado há um par de anos de uma fábrica metalúrgica, orgulha-se de poder dividir o tempo entre Charlieu e a Aldeia de Palheiros, onde, influenciado pela sua mulher, comprou casa. Apesar de ser natural de Almodôvar, é na pequena aldeia a sete quilómetros de Ourique que, durante “quatro ou cinco meses”, mata saudades do Alentejo.

 

Há mais de 40 anos que é assinante do “DA”, quase tantos como aqueles que está emigrado. Diz guardar consigo o primeiro jornal que recebeu, contudo, já perdeu “a conta” às edições que lhe chegaram a casa, tanto em França como em Portugal, nos últimos tempos.

 

“Tenho acompanhado praticamente metade do percurso que o ‘DA’ tem feito. Quando estou aqui [em Charlieu] o jornal vem parar cá a casa, mas quando estou em Portugal ele vai para a minha direção daí”, uma vez que, em “cada semana vem uma edição e se eu estiver em Portugal dois meses são oito jornais que tenho de dar volta quando chego, e, então, não me convém, porque quando os vou ler já estão desatualizados”.

 

A ligação que vai tendo com a região, embora a Internet lhe traga já muita informação, aguça-se essencialmente pelo jornal que lhe chega pelo correio à segunda-feira. Adepto da sua leitura em papel garante que, “para quem está fora do País”, as páginas alentejanas levam consigo, além “das notícias da nossa região”, o alento a quem teve de sair.

 

Multimédia1Foto | Manuel António Agostinho, Entre Charlieu e Aldeia de Palheiros, faz sempre questão de receber o “DA”

 

DOS CAMINHOS DE FERRO DE ALJUSTREL ATÉ BRUXELAS

A cerca de oito horas de distância de Charlieu vive Ercília Godinho Camacho e o marido, José Francisco Camacho. Naturais de Aljustrel, partiram em direção à capital belga há mais ou menos meio século. Há 30 anos, “desde o tempo do professor Raposo” (António Alexandre Raposo, diretor do “DA” entre 1989 e 1997), que são assinantes, que leem e fazem questão de receber o jornal em casa “à terça ou quarta-feira”.

 

“Embora as notícias já cheguem um bocado atrasadas, porque as notícias aí saem à sexta-feira e nós aqui recebemos à terça ou quarta-feira, somos assinantes para ajudar o ‘DA’. Ao fim e ao cabo, não é pelas notícias, principalmente agora com a Internet e pelo facto de termos todos os canais portugueses, já estamos sempre ao corrente das coisas, mas temos feito essa questão, porque, apesar de estarmos longe, acabamos por estar perto e, mal ou bem, vamos vendo alguma coisa do nosso Alentejo”, refere a mulher de 72 anos.

 

Assim como o seu compatriota Manuel António Agostinho, também o casal Camacho tem por hábito alterar a morada de receção do jornal quando vem passar férias à Vila Mineira, uma vez que, “é sempre um prazer ter o ‘DA’ todas as semanas” com eles, independentemente do sítio onde o recebem.

 

No final do mês têm viagem marcada para Portugal. Ficarão três meses. Receberão 13 edições do “DA” em Aljustrel. E regressam, novamente, em setembro para o país que os acolheu.

 

UMA LEMBRANÇA DE QUEM JÁ NÃO ESTÁ 

“Quase da minha idade”. É assim que Maria Angélica, prestes a completar 80 primaveras, se refere ao 91.º aniversário do “DA”. Em setembro, quando o casal Camacho estiver de regresso a Bruxelas, Maria Angélica está prestes a chegar à freguesia de Nossa Senhora das Neves.

 

Natural de Castro Verde foi na aldeia a seis quilómetros de Beja que se apaixonou e casou. Com cerca de 30 anos, fez da cidade de Mainz, na Alemanha, a sua primeira residência e desde então que só regressa para férias.

 

“Vim muito cedo para aqui, era o meu filho muito pequenino, e ainda aqui estou. Gosto de estar na Alemanha pelo trabalho do meu filho, porque aí há muitas dificuldades em arranjar trabalhos, mas tenho uma forte ligação ao Alentejo”.

 

Assume-se, com vaidade em cada frase, como “alentejana” e conta ao “DA” que foi o marido que se tornou assinante “há mais de 10 anos”. Depois do seu companheiro falecer, Maria Angélica continuou com a assinatura em jeito de recordação.

 

“O meu marido, que já faleceu, é que lia sempre o jornal, mas eu não o deixo de comprar à mesma porque é também uma lembrança dele”, explica. E acrescenta: “Tenho uma forte ligação ao Alentejo e o ‘DA’ permite-me saber como é que as coisas estão aí, porque sou alentejana e interesso-me. Quando estou lendo o jornal parece que estou no Alentejo”.

 

Diz, com uma boa disposição na voz, que os filhos “não ligam muito a isso” de ler o jornal e que, apesar de ter “televisão portuguesa”, não deixa de comprar o “DA”, porque, “primeiro, ajudo-os e, segundo, vou sabendo as novidades”.

 

Perspicaz, do início ao fim da conversa, garante que quando vier a Portugal, pela altura do seu aniversário, que irá à redação do “DA” contar um pouco mais da sua história e da importância que, embora as palavras lhe faltem, o jornal tem para si.

 

UM PRESENTE DE CORTE DO PINTO PARA WICKEDE

Por sua vez, Isabel Encadernação Progresso, de 71 anos, vive na freguesia de Corte do Pinto, no concelho de Mértola. Contrariamente aos testemunhos anteriores não emigrou. A sua história com o “DA” apresenta-se “curiosa”, porque há cerca de 10 anos, antes de ela própria se tornar assinante, resolveu “oferecer uma assinatura” ao cunhado, emigrado em Wickede “há mais de 40 anos”.

 

O intuito era que este “tivesse um bocadinho do Alentejo” na Alemanha. “É curioso porque a assinatura foi feita já com a minha irmã há muitos anos na Alemanha”, refere.

 

A calma da região alentejana sentida ao folhear as páginas do jornal sempre contrastou com a agitação característica de qualquer grande cidade alemã e daí a necessidade de Isabel Encadernação Progresso aproximar o cunhado destas duas realidades.

 

Entretanto, o cunhado acabou por falecer e, à semelhança de Maria Angélica, também Hermínia Vaz, irmã de Isabel Encadernação Progresso, optou por não terminar com a assinatura, não pela ligação que tem com a região, mas pelo sentimento que este lhe transmite.

 

“Um dia resolvi oferecer uma assinatura ao meu cunhado, mas entretanto ele já faleceu e a minha irmã quis continuar com a assinatura, porque gosta de ler as notícias daqui”, revela.

 

UM SENTIMENTO DE MISSÃO

Valdemar Troncão emigrou para Fully, na Suiça, pouco depois de atingir a maioridade. Há 34 anos que deixou para trás a pequena aldeia de Baleizão, no concelho de Beja, e pouco tempo depois subscreveu o “DA”.

 

Todas as segundas-feiras recebe o jornal. Há 20 anos que é assim. Quando o tempo e o trabalho na fábrica de alumínios assim o permite senta-se na varanda, com as montanhas que recortam a paisagem suíça como pano de fundo, e aprecia o que lhe chega, umas vezes notícias aprofundadas, outras “fotografias da nossa terra”. Diz, assim como a maioria dos leitores que está fora do País, que a atualidade das notícias não é o principal, mas, sim, o “gosto por ajudar”.

 

“Com o ‘DA’ ainda conseguimos saber algumas notícias da terra, ver algumas fotografias e saber, com alguma profundidade, o que se passa. Nós podemos ver muita coisa pela Internet, mas esta é uma maneira de ajudar o jornal para que este não acabe, porque se toda a gente deixa de assinar e começar a ver as coisas on line acaba-se tudo… o jornal, os jornalistas, os tipógrafos…”.

 

Este é um dos sentimentos mais comuns de quem é assinante do “DA” fora do País. Quem sai diz sentir falta do calor característico, da comida típica alentejana e das “gentes” peculiares e de sorriso fácil que se encontram ao virar de cada esquina. Receber, todas as semanas pelo correio, uma “lembrança” em português do Alentejo aquece o coração e faz com que, mesmo por meros minutos, se esqueçam que estão longe.

 

O “DA” tem surgido assim, ao longo dos últimos anos, como uma lufada de ar fresco e uma tentativa de apaziguar as saudades daqueles que há muito partiram do Alentejo e, em certos casos, não voltaram.

 

De todos os testemunhos, destaca-se a frase que melhor justifica o porquê de, ano após ano, todos estes leitores continuarem a subscrever uma assinatura de um jornal que, na maioria das vezes, quando lhes chega a casa, já está desatualizado: “Porque quero ajudar o ‘DA’, é o jornal da minha região”. E esta é forma mais simples de agradecer.

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Foto | Valdemar Troncão, Ler o “DA” na sua varanda, com as montanhas suíças ao fundo, é das coisas que mais aprecia

 

* com Marco Monteiro Cândido

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