Diário do Alentejo

“De Saramago sinto-lhe o génio e o humanismo”

17 de fevereiro 2023 - 12:00
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João de Carvalho tem 25 anos e natural de Beja. Fez a sua formação escolar na Escola Secundária Diogo de Gouveia, em Beja, tendo, posteriormente, frequentado a licenciatura em Desporto da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Beja, que não chegou a finalizar. Atualmente é estudante de Jornalismo, Comunicação e Media Digitais, na Escola de Tecnologias Inovação e Criação, em Lisboa. É autor do livro "A Maré Violeta".

 

A semana passada foi o vencedor do prémio “José e Pilar – Uma carta de amor a José Saramago”, promovido pela Comunidade Cultura e Arte, pela Fundação José Saramago, pela Jumpcut e pelo realizador Miguel Gonçalves Mendes. 

 

Texto José Serrano

 

Em que cenário e sob que inspiração escreveu esta carta de amor?

Toda a inspiração me surgiu depois de ver, em Lisboa, o filme “José e Pilar”. Vivi-o tremendamente. Olhei o José nos olhos por várias vezes, através de um ecrã de cinema. Tremi e arrepiei-me no banco que me aconchegou, mas também cheguei a rir-me. Depois escrevi a carta durante o trajeto de autocarro até casa. Pensei que a carta teria de ser escrita naquele momento ou então perderia a sua essência. Foi isso que fiz. Primeiro estruturei-a. Era preciso juntar tudo, não era só sobre o amor a Saramago. Foi preciso falar da religião, da guerra, das personagens do escritor, do humanista que ele foi. Também foram precisas referências dos seus livros, nomeadamente, O Memorial do Convento e As Intermitências da Morte. Depois senti necessidade de encontrar um fio condutor para a carta, desde a viagem de autocarro até que me deitei. Tanto o início como o fim não são sobre intelectualidade, mas sobre sensibilidade. O que esteve sempre presente, na carta, foi o amor e a admiração que sinto por José Saramago.

 

Álvaro de Campos escreveu: “Todas as cartas de amores são ridículas/não seriam cartas de amor se não fossem ridículas”. Correspondeu esta sua correspondência a este pressuposto?

Esta carta de amor não é ridícula porque não existe nela o sentimento de posse. Já amei romanticamente e escrevi algumas cartas de amor e são essas que se tornam ridículas. Há nelas uma urgência de qualquer coisa, de partilhar física e eternamente o tempo com a pessoa que se ama. Não sinto essa urgência pelo Saramago, é um amor diferente. Sinto-lhe o génio e o humanismo. Sinto também que gostaria de abraçá-lo.

 

Ainda que sendo uma carta de amor fictícia, experimentou, ao escrevê-la, do prazer ímpar do enamoramento?

Conheço bem o prazer do enamoramento e não foi coisa que tenha experimentado enquanto escrevi esta carta, porque, lá está, não sinto amor romântico por José Saramago.

 

É urgente o redescobrimento do enlevo de escrever cartas de amor?

As cartas de amor caíram em desuso. Pelo menos as endereçadas a uma morada física. Creio que se podem escrever cartas de amor através do telemóvel, talvez muita gente o faça. A tecnologia permite-nos que escrevamos uma carta de amor e que esta possa ser recebida em segundos pela outra pessoa e isto, sim, tira-lhe a magia. Não se sente o papel nem o anseio da espera. É tudo instantâneo. São os prós e os contras da evolução. Recentemente, enderecei cartas e postais físicos para uma rapariga de Madrid e, de certa forma, vivenciei a escrita de uma real e ridícula carta de amor. Mas há cartas de amor ridículas e geniais, por exemplo, as que foram trocadas entre Camus e Casares. Algumas das minhas preferidas foram escritas por Kafka a Milena.

 

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