Diário do Alentejo

"Penso que se consegue esta fusão entre o emocional e o cognitivo/racional nesta singela obra"

18 de dezembro 2022 - 14:30
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Dinis Cortes tem 67 anos, é médico e natural de Vila Real. É também fotógrafo de natureza e vida selvagem, desde 1980, frequentou e ministrou, nesta área, inúmeras ações de formação. Prémio Carreira atribuído pelo Fapas-Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens e pela Câmara Municipal de Castelo de Vide pelo trabalho de divulgação científica e formação realizado na área de Natureza. Autor de várias publicações de que se destaca o Guia de Aves do Concelho de Vila do Bispo e Promontório de Sagres. É, atualmente, assessor para a área de natureza e biodiversidade da empresa Wildscape. Apresentou recentemente a sua obra ficcional, na Feira do Livro de Mértola, "Balada do Mingo-Rei".

 

Texto José Serrano

 

Como nos apresenta esta sua ‘canção’ literária?A Balada do Mingo-Rei é um conto, de leitura fácil e absorvente, que narra um acontecimento que, embora ficcionado, decorre num teatro de operações real, geograficamente delimitado e coerente com os topónimos atuais. É um território quase despovoado, situado ao longo da margem direita da Ribeira de Terges-e-Cobres, entre Entradas (Castro Verde) e o Mosteiro (Mértola). Relata uma ação de guerrilha, protagonizada por um jovem falcoeiro, no início da ocupação ro- mana, deste território.

 

É esta obra puramente ficcional ou está alicerçada, também, em factos históricos?A ação é, efetivamente, ficcionada, embora inspirada na Caçada do Malhadeiro, do Conde de Ficalho, mas o território e o enquadramento cronológico são bem reais. Sítios como o Mingo-Rei, Valbom, Malhada ou Castelinho, Castro da Cola, Mosteiro, Pulo do Lobo, Água Salgada, Castelo de Montel, e outros, são citados no decorrer da ação.

 

Imagina o património natural da região – a flora, a fauna – à época (há cerca de 3 000 anos), muito distinto daquele que hoje existe?

O coberto vegetal da época era muito semelhante ao atual. Haveria um pouco mais de frio e de chuva e persistiriam algumas espécies de macrofauna, como o lobo e o urso, que hoje já não existem nestas paragens. Os matagais mediterrânicos seriam, porventura, mais densos e florescentes do que os bosquetes residuais que, atualmente, só se encontram nas vertentes da Ribeira de Terges e Cobres. A flora de porte herbáceo poderia sustentar vários tipos de insetos, como algumas borboletas ou libélulas que, devido ao aquecimento ou outros fatores, já não se encontram hoje. Algumas aves que ocorreriam na zona, como o Chasco-preto (Oenanthe leucura) estão agora limitadas a algumas parcelas do norte, fundamentalmente do Douro Superior, mas ainda eram observadas no Castelo de Noudar, em Barrancos, nos anos 70.

 

Que reflexão gostaria que este seu livro proporcionasse?

Quando se escreve sobre momentos históricos e se descrevem objetos, usos, vivências e estratégias de sobrevivência, de épocas recuadas, pretende-se, fundamentalmente, reforçar o conhecimento, de forma simples e direta, desses grupos humanos. Há, portanto, um fim, racional ou antropológico, que permite consolidar a ideia da estrutura civilizacional da Idade do Ferro do Neocalcolítico ou do Paleolítico Superior. O decorrer da ação, as motivações dos personagens e as vivências afetivas conduzem-nos, também, para a leitura emotiva, que gera “suspense”, permitindo ao leitor identificar-se com o personagem e com as suas decisões ou atos. Honestamente, penso que se consegue esta fusão entre o emocional e o cognitivo/racional, nesta singela obra.

 

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