Diário do Alentejo

"Ver a cara radiante dos músicos, quando recebem o seu instrumento, construído de forma personalizada, é muito gratificante"

02 de dezembro 2022 - 12:00
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José António Cardoso tem 61 anos e é natural de Ribeira da Penha, em Vila Real. Em 1968 emigrou, clandestinamente, com a família para França, tendo regressado em 1977. Frequentou a Escola Secundária de Vila Pouca de Aguiar e o Liceu Camilo Castelo Branco, em Vila Real. Mais tarde, em 1982 ingressou no Serviço Militar Obrigatório, optando por abraçar a carreira militar. Já reformado, decide aceitar o desafio lançado pelo seu filho, Paulo Cardoso, de construir instrumentos musicais de corda, e, em 2010, abre, em Trindade (Beja), a oficina “Luthier Cardoso” que constrói e repara instrumentos musicais de corda. É casado, tem dois filhos e um neto.

 

Recentemente apresentou, no Centro Unesco de Beja, o livro Manual de Construção de Cordofones – Volume I – Viola Campaniça.

 

Texto José Serrano

 

Neste livro ensina o método de construção de instrumentos musicais de cordas. Qual o propósito maior de revelar os segredos da sua atividade de artesão?

Duas preocupações despertaram em nós este propósito. A primeira tem a ver com o facto de ter sentido grandes dificuldades em obter apontamentos que permitissem efetuar, no início da nossa atividade, a construção deste tipo de instrumentos. Depreendemos, então, que nós, portugueses, somos pouco dados à partilha do conhecimento – julgamos, pois, que é fundamental, nestas artes/ofícios, em vias de extinção, preservar, para os vindouros, técnicas ancestrais. Por outro lado, num recente encontro de construtores, em Castro Verde, concluímos que esta arte, no Alentejo, é um ofício de “velhos”, sendo eu, à época, o mais novo a exercer a atividade, em pleno. Logo ali, pensei para mim próprio, que tudo faria para que a média de idades, dos construtores de instrumentos, baixasse, na região.

 

Indicia o volume de estreia, sobre a viola campaniça, uma estima particular por este instrumento musical?

Sem dúvida. Quando cheguei ao Alentejo, em 1985, fui recebido muito bem, por toda esta gente. Costumo dizer que tenho três terras: a minha, que me viu nascer; a França, onde cresci como adolescente; e o Alentejo, onde amadureci a minha personalidade. A forma mais linda que encontrei de prestar tributo ao povo alentejano, foi brindá-lo, através desta publicação, com algo típico da região, característico da marca identitária musical do Alentejo.

 

De onde lhe vem este gosto pela arte de moldar a madeira?

O nordeste transmontano, donde sou natural, é uma região onde existe madeira de excelente qualidade (castanho, nogueira, carvalho, freixo, cerejeira, vidoeiro…) e muitos dos meus antepassados eram artesãos, nas várias artes de a trabalhar. Além disso havia, na minha aldeia, muita gente que se dedicava ao ofício de abegão, por ser de primordial importância, para que os adereços e ferramentas da faina agrícola nunca faltassem.

 

Qual a maior satisfação que tem tido, nestes mais de dez anos, como luthier (construtor de instrumentos de corda)?

Ver a cara radiante dos músicos, quando recebem o seu instrumento, construído de forma personalizada, é muito gratificante. Ficamos com a sensação do dever cumprido e de ter feito alguém feliz. Costumo dizer que nós não temos clientes, mas sim músicos, amadores e profissionais. A maioria deles é ilustre desconhecida, quando nos contactam. Depois de receberem os seus instrumentos tornam-se amigos, sendo para nós ponto de honra conservar este tipo de relação. O ponto alto da nossa construção foi termos sido procurados para construir uma viola campaniça para o Eddie Vedder, dos Pearl Jam.

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