Diário do Alentejo

Na diáspora, “o cante é o porta-estandarte da identidade alentejana”

20 de agosto 2022 - 10:00
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Ana Machado tem 48 anos e é natural de Lisboa. Licenciou-se em Antropologia pela Faculdade Ciências Sociais e Humanas e possui um Mestrado em Antropologia, na especialidade de Património e Identidades, pelo ISCTE. Desenvolveu trabalhos de Antropologia em Oliveira de Azeméis, com padeiras e moleiros do rio Ul, bem como estudos etnográficos para o Museu Municipal de Santiago do Cacém. Trabalhou no Ecomuseu Municipal do Seixal e, atualmente, desempenha funções no Museu Nacional de Etnologia.

 

Integrado no 34.º Encontro de “Cantares Alentejanos”, Ana Durão Machado apresentou, recentemente, na Junta de Freguesia do Feijó, o livro Feijó meu lindo Feijó, de sua autoria, sobre o Grupo Coral Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó. A obra resulta da dissertação de Mestrado em Antropologia, “Património e Identidades”, do ISCTE, realizada no ano 2000. Em 2019, a autora regressou ao terreno para verificar o que mudara em 20 anos e adaptou a tese a um livro, acessível a todos.

 

Texto José Serrano 

 

Simbolicamente, para os cantadores, o cante alentejano entoado na calmaria do Alentejo tem o mesmo significado daquele que é entoado em Almada?

Do ponto de vista simbólico o cante terá sempre uma perspetiva diferente para quem o canta fora da sua terra. É através dele que se regressa às origens, a um tempo que já não volta e que ficou registado como uma memória da sua juventude. Cantar em Almada, com outros cantadores, é como fazer uma viagem, conjunta, que lhes dá estímulo para as suas vivências quotidianas.

 

Significa o cante alentejano para estes homens e mulheres que o cantam na diáspora, uma bandeira identitária, um símbolo maior de pertença à terra onde nasceram?

Sem dúvida. O cante alentejano no Feijó, mais do que um mote de referência e uma identidade que permite gerir o processo de assimilação e adaptação a um território migrante, é um itinerário que percorre a história e a vida social de muitos migrantes alentejanos residentes no concelho de Almada, projetando, através dele, o mito do eterno retorno que evoca, constantemente, o saudoso Alentejo, de onde um dia tiveram de partir. É essa vivência de símbolos que sustenta e alimenta a coesão dos grupos da diáspora, numa dimensão quase de utopia coletiva. Através dos grupos corais alentejanos reivindica-se uma identidade, a importância do Alentejo como região e a sua tradição de cante, dando-lhes visibilidade através do seu repertório e das suas atuações. O cante assume-se, nessa perspetiva, como o porta-estandarte dessa identidade reclamada.

 

Podemos dizer que a formação de grupos na diáspora se constitui como “um novo cante”, consequente da fusão das várias formas de cantar as modas, entre cantadores oriundos de várias partes do Alentejo?

Diria que é um cante com caraterísticas próprias e um pouco diferentes das originais. Nos grupos da diáspora existe um maior trabalho de articulação e harmonização das diferenças, seja nos modos de cantar, nas modas que cantam, ou nas mentalidades do grupo, que tem de se identificar enquanto coletivo. Contudo, nos grupos da diáspora o que começamos a assistir é à existência de cantadores nascidos na Área Metropolitana de Lisboa, que vêm para os grupos corais pela curiosidade, por raízes familiares com o Alentejo, ou pelo simples gosto musical. Nesse sentido, o cante que vamos começando a ouvir será certamente um “novo cante”, com novas vozes, outra sonoridade, outras tradições. Mas o que importa é que, mesmo “novo”, o cante se vá continuando a ouvir na diáspora alentejana. 

 

 

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