Diário do Alentejo

"O Alentejo tem as mais altas taxas de patologia depressiva do país”

04 de maio 2022 - 17:20

Ana Matos Pires tem 58 anos, é natural de Santo Tirso e feminista. Licenciou-se em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, é Mestre em Psiquiatria e Saúde Mental pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Diretora do Departamento de Saúde Mental e do Serviço de Psiquiatria da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba). Sendo ainda, Coordenadora Regional da Saúde Mental da Administração Regional de Saúde do Alentejo e Membro da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental do Ministério da Saúde.

 

Texto José Serrano

 

Médica da Ulsba é coautora de estudo sobre depressão

Foi publicado, dia 30 de março, na revista internacional Frontiers in Psychiatry, um artigo científico, do qual Ana Matos Pires é coautora, acerca da Depressão Resistente ao Tratamento (DRT).

 

Quais as conclusões retiradas deste estudo?

O trabalho foi desenvolvido junto de um grupo de psiquiatras nacionais e concluiu pela existência de um elevado número de recidivas e recaídas depressivas, má adesão à terapêutica farmacológica e difícil acesso a abordagens psicoterapêuticas e outras abordagens terapêuticas não farmacológicas, no país, nomeadamente a neuroestimulação. Os efeitos da pandemia, no aumento dos quadros de depressão resistente ao tratamento, foram evidenciados pelo painel de especialista, do mesmo modo que as implicações na qualidade de vida e no funcionamento geral e pessoal dos doentes, com repercussões profissionais e familiares. Foi consensual a necessidade de um maior investimento nos serviços de Saúde Mental do Serviço Nacional de Saúde, no caso particular no tratamento dos episódios de depressão major, de modo a aumentar o acesso ao tratamento.

 

Como classifica a incidência das perturbações depressivas no Alentejo?

O Alentejo tem as mais altas taxas de patologia depressiva do país, e este dado não é novo. De resto acontece o mesmo com a patologia ansiosa e demencial. Os dados epidemiológicos relativos à DRT não são conhecidos mas a alta incidência e prevalência de patologia depressiva, aliadas às condições socioeconómicas e à dificuldade de acesso a cuidados de Saúde Mental determinam uma alta probabilidade de, também aqui, o Alentejo ocupar um lugar preocupante.

 

Que fatores são preponderantes para a ocorrência da patologia?

Não há uma “causa” única para o adoecer depressivo. Trata-se de uma situação clínica multideterminada, com fatores biológicos e sociais implicados. No momento atual, julgo que os efeitos de dois anos de pandemia é um fator importante, nos quadros de depressão reativa e no agravamento de patologia depressiva major, previamente diagnosticada. No Alentejo, a história familiar positiva para patologia depressiva e a alta prevalência prévia da patologia são riscos acrescidos.

 

De que forma poderá este estudo contribuir para um mais eficaz tratamento da depressão?

O objetivo é contribuir para intervir. A Reforma da Saúde Mental está prevista no Programa de Recuperação e Resiliência, com dotações orçamentais que nunca aconteceram antes. Do mesmo modo, a formalização da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental como uma estrutura executiva do Ministério da Saúde e a saída do Decreto-lei que reformula a organização da Saúde Mental no país, são sinais positivos. As conclusões deste estudo elencam um conjunto de fatores passíveis de modificação – necessidade de aumentar o conhecimento sobre a doença e a literacia em Saúde Mental, melhorar a resposta dos serviços e a acessibilidade aos diferentes tratamentos, intensificar a inovação terapêutica, por exemplo. A sua concretização contribuirá para a maior eficácia da abordagem terapêutica da depressão e para a melhoria da prevenção e do diagnóstico precoce.

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