Diário do Alentejo

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Luís Godinho, jornalista

10 de maio 2020 - 12:00

Poeta da natureza, Alberto Caeiro não foi um heterónimo de Fernando Pessoa. Acredito que teve vida própria. Veja-se a obra. Leiam-se os poemas, o "Guardador de Rebanhos" por exemplo. Sim, Alberto Caeiro, poeta da natureza e do real objetivo, nascido em 1889, órfão de pai e de mãe, teve seguramente existência física. "Poeta bucólico, de espécie complicada", assim o definiu Fernando Pessoa. Alguém cujo ideal "é que não se junte coisa alguma daquelas que o mundo, naturalmente, nos apresenta separadas”, no traço que Agostinho da Silva dele nos deixou.

 

Alberto Caeiro, afinal, só queria "ter o tempo e o sossego suficientes". Tempo e sossego. Precisará um homem de algo mais neste fim de estado de emergência e entrada no de calamidade? Tempo para digerir a avalanche de notícias e de palpites que todos os dias surgem pelos mais inusitados especialistas em epidemiologia, saúde pública ou projeções matemáticas. E sossego para não nos enervarmos com eles. Lembram-se dos tempos, não muito distantes, em que todos, todos os dias, debitávamos opiniões sobre défices orçamentais, juros da dívida soberana, medidas de austeridade ou resgates bancários? Era o tempo em que se repetia a célebre frase patenteada por James Carville, especialista em marketing político, na campanha de 1992 que deu a vitória a Bill Clinton sobre Bush pai: "É a economia, estúpido". E da economia chegámos à pandemia.

 

Por onde andará o físico e matemático Jorge Buescu mais as suas projeções trementistas? Lembram-se da anunciada falência do Sistema Nacional de Saúde? "Está a aproximar-se de Portugal um gigantesco tsunami com um potencial de destruição humana inimaginável. Muitas pessoas ainda vivem como se estivéssemos numa calma expectativa de que talvez ele passe ao largo. Não tenha ilusões: ele está aí a rebentar, já esta semana", garantia o homem nos idos de março. Ora, as ameaças de um inevitável apocalipse, os dramáticos exemplos de Espanha e de Itália, o acumular de infetados e de mortos, o medo perante o desconhecido, conduziram a medidas nunca vistas: fronteiras fechadas, escolas e empresas encerradas, milhões de pessoas enclausuradas em casa.

 

Veio o estado de emergência e agora, agora que as curvas e os picos dos modelos pandémicos começam a ceder, baixaremos de nível, da emergência para a calamidade. Os sinais continuam a ser os mesmos, preocupantes, identicamente inquietantes quando deixam adivinhar um próximo futuro marcado, por um lado, pela necessidade de travar a pandemia e, por outro, de encontrar resposta adequada para a emergência económica e, sobretudo social, que inevitavelmente se irá abater sobre milhares de famílias em resultado do aumento do desemprego e da consequente perda de rendimentos. Não sendo tempos fáceis nem propícios ao sossego, como pedia Alberto Caeiro, estes são tempos que exigem ponderação por parte de todos: decisores políticos, parceiros sociais, cidadãos. Todos os populismos estão à espreita, aproveitando o terreno fértil do medo.

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