Diário do Alentejo

Mário Elias
Opinião

Mário Elias

José Saúde, jornalista

29 de abril 2020 - 19:00

A vida é uma rápida passagem pelo cosmos terrestre e o ciclo de exis- tência humana é célere. O percurso do ser vivente, visto à lupa, é variável e a sua cadência pautada pela normalidade. Todavia, há quem ao longo da viagem terrena deixe o seu inteligível saber vincado no reino social por onde paulatinamente caminhou. 

 

Vasculho, porque o tempo o permite, gavetas de um velho baú e dou por mim a rever um rol de desenhos apoiados em crónicas desportivas trazidos à estampa pelo saudoso Mário Elias, um ícone mertolense que foi bolseiro da Gulbenkian e parceiro de tertúlias na clássica Lisboa com os seus amigos Herberto e Cesariny, de entre outros confrades onde predominavam fidedignos intelectuais.

 

A sua eloquente e literal mestria na escrita muito o ajudaram para desencantar antigos atle- tas do distrito de Beja. O tema, nesse tempo, era inserido nas paginas do extinto jornal “O Ás”, sabendo-se que o “Diário do Alentejo” fora também um espaço onde debitou alguns dos seus históricos textos. No periódico “O Ás” esses textos eram somente desportivos e enriquecidos com excelentes desenhos que ilustravam personagens que ele citava com elevada proficiência.

 

O Mário era um homem simples e desarru- mado, mas varão de um povo que copiosamente o respeitava. Recusava entrar pelo interior de uma sociedade que ele intitulava de apodrecida e corrompida. O seu anarquismo fez dele um senhor. Com ele passei horas a ouvir as suas coerentes ideias. Rejeitava o mundo da vaidade. As suas vestes anunciavam simplicidade e uma sincera humildade, mas não ostentava o conceito de avareza. Uma humildade que se traduzia numa gigantesca grandeza de espírito.

 

O Mário era uma personalidade nobre. Pintor, jornalista e escritor foram hobbies que lhe preencheram a alma. Foi aquilo que quis ser. Abdicou de fatos de alta costura e de gravatas de seda. Não usou chapéus de aba larga, sapatos de marca requintada, esferográficas de etiqueta esmerada nem de explícitos compêndios onde expunha os seus artigos. Conhecemo-lo com calções, camisas debutadas, um gorro de lã na cabeça, quer fizesse frio ou calor, cabelos esbranquiçados ao vento, uns chinelos enfiados nos pés e um maço de papéis desalinhados debaixo do braço, que fa- ziam parte do seu espólio literário.

 

Olho para os seus ilustres desenhos onde retratava craques e revejo a dinâmica que o Mário impôs quando um dia se referiu ao seu pai, João Elias, um dos fundadores do Guadiana Foot- Ball Clube no ano de 1926 e a ilustração sensibilizou-me. A energia que o Mário incutiu na tela deu-lhe um maior talento quando contemplamos na parte superior do plano o castelo da vila de Mértola. Hoje, na orla do grande rio do sul é o Futebol Clube Guadiana, fundado em 1 de janeiro de 1947, que dá ênfase aos adeptos da bola na velhinha localidade. Recordando Mário Elias e as suas profícuas narrativas desportivas.

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