Diário do Alentejo

Portugal não é um país racista ou xenófobo
Opinião

Portugal não é um país racista ou xenófobo

Manuel Maria Barroso, técnico superior da Administração Pública

11 de março 2020 - 16:00

Por mais que algumas pessoas tentem generalizar, Portugal, enquanto nação/comunidade/território, não merece ser identificado como racista e, muito menos, como xenófobo, pois, os comportamentos dos portugueses não assentam em princípios racistas e/ou xenófobos. Não acompanho as generalizações que se fazem “a contrario sensu” do que referi. Na sua globalidade, o povo português é anfitrião, hospitaleiro e solidário, não tendo tais preconceitos na sua matriz comportamental.

 

Em todo o caso, a História de Portugal e da cultura portuguesa, pelas vicissitudes dos tempos e das circunstâncias, tem um pouco de tudo no que a estas matérias poderá dizer respeito. Se tem episódios marcadamente associados a momentos de hostilidades ou menor cumprimento dos valores humanos, regista, em outras situações algumas das páginas mais significativas do humanismo e do universalismo, designadamente no processo do fim da escravatura ou da autodeterminação de diferentes povos.

 

O papel dos portugueses, o pensamento e as transformações em prol da dignificação dos seres humanos integram as melhores páginas da História Universal. Os processos de miscigenação (ou mestiçagem) humana no mundo estão intimamente ligados às nossas gentes e às nossas formas de ser e estar civilizacionais. Também, em especial nos últimos séculos [XIX e XX]. Portugal escreveu (em cooperação com outros povos) algumas das melhores páginas na secção da paz e da liberdade da História Universal, em especial nos capítulos relacionados com o humanismo e com a liberdade.

 

Se Portugal esteve na génese da remota autodeterminação do Brasil, aliás, tendo como um dos protagonistas o próprio príncipe herdeiro da coroa nacional, também, em cooperação com diferentes movimentos de libertação africanos, esteve no processo de homólogas independências das suas antigas colónias no continente africano (e, por extensão de todo o seu antigo território colonial português). Releva aqui, que Portugal, “em si”, também conquistou a sua própria liberdade e o caminho da democracia, promovendo, neste processo e na linha-da-frente, com todos os “novos” estados lusófonos, a comunidade multilateral, designada por CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), entendida hoje, como um exemplar espaço de cooperação e fraternidade.

 

Enfim, com a ressalva de alguns momentos menos sensatos, Portugal e os portugueses têm na sua matriz idiossincrática os mais sustentáveis valores da paz, da cooperação e da liberdade, dando-nos os fundamentos cívicos e éticos para nos constituirmos como parceiros no baluarte civilizacional em prol dos Direitos Humanos, em geral. Ora, na sequência dos tristes episódios em torno do epifenómeno emocional, de tom racista, sobre o Moussa Marega (futebolista nascido em França e naturalizado malinês, a atuar no Futebol Clube do Porto) e as possíveis extrapolações, generalizações ou imputações ao possível comportamento racista e xenófobo dos portugueses, importa tecer o seguinte comentário.

 

Uma coisa tem sido a sequência de comportamentos execráveis, perpetrados por uma determinada minoria de gente (ausente de princípios éticos e humanos), outra é o que eu entendo – e creio não estar isolado neste princípio – como sendo o comportamento da generalidade dos portugueses. Importa não confundir a parte com o todo, isto é, uma coisa são alguns comportamentos individuais ou de grupos parametrizados, outras são os comportamentos globais. Os primeiros nunca poderão eclipsar os padrões da globalidade.

 

Na verdade, embora de forma residual, importa denunciar alguns comportamentos, geralmente resultantes de outros fatores (de natureza política, histórica, económica, social, cultural, por exemplo), na grande parte dos casos afins a algumas formas perversas de manutenção de poderes diversos, os quais, de forma fácil e despudorada (a todos os níveis) pautam pela produção/aplicação de medidas, de tom perverso, mais ou menos orientadas para a construção de comportamentos de alienação, desvinculação, ausência de compromisso ou responsabilidade geral, face aos reais problemas que afetam as pessoas, coletiva ou individualmente.

 

Como é fácil perceber, o que está a acontecer não é nada de novo... nem foi um fenómeno isolado no tempo e nos lugares... é um «mais do mesmo» que nem sempre tem tido a divulgação e a denúncia como a que agora aconteceu. Sublinho... Portugal não é uma nação racista ou xenófoba! Porém, "vemos, ouvimos, lemos " (e sabemos!) que há “criaturas” racistas e xenófobas em Portugal... algumas delas sem nacionalidade portuguesa, inclusivamente! Da mesma forma que sabendo que há pedófilos ou outros crápulas da pior espécie, não se pode estereotipar ou generalizar Portugal como um "país pedófilo", por exemplo.  Não me revendo neste tipo de “digladiações mediáticas”, não ignoro que estes casos devem ser exemplarmente punidos... todos eles!

 

O futebolista em referência foi vítima de uma avalanche emocionalmente racista, composta por uma nuvem de patetas, cobardes, alienados e criminosos (digo eu!) e, neste quadro, merece toda a minha compreensão e solidariedade. E, como se costuma dizer: - “Para grandes males, grandes remédios!”. Existem em Portugal meios de prevenção e combate a quem ctua em desobediência face às leis da República. No “diálogo alienante” sobre estes recentes tristes episódios há quem venha fundamentar e/ou relacionar de forma “bilateral” o sucedido, realçando o comportamento deste atleta em outros contextos afins, como se isso fosse a “moeda de troca” nesse incrível processo de imbecilidades desumanas ou menos esclarecidas. Em todo o caso, importa sublinhar que Portugal é um estado de direito, orientado pelos princípios da liberdade, da democracia e da paz. Assim sendo, o nosso ordenamento jurídico e as nossas instituições de promoção e da regulação da harmonia cívica democrática saberão atuar em conformidade com as suas normas, legítimas, universais e abstratas.

 

A não ser assim, nunca poderá ser este o diapasão para a partitura da ética e do humanismo, podendo, de resto, configurar-se como um “campeonato” especialmente perigoso, onde a “lógica negocial” da “relação ganhar-perder” das imbecilidades deve ser substituída pela fundamentação de uma “relação negocial do tipo ganhar-ganhar”; caso assim não seja, surge o perigo das “aditividades negativas”, isto é, quanto mais ódio se aplica, mais ódio se desenvolverá. A opção pela segunda estratégia [“ganhar-ganhar”] representa o mais importante “ganho2 comum, pois, sendo igualmente um processo “aditivo”, a resultante é o “ganho” da cooperação, da solidariedade e, de uma forma mais global, de se poder viver em paz e em liberdade.

 

O racismo, a xenofobia, qualquer outra forma de menorização ou desconsideração de um ser humano, quer individual quer coletivamente, são dimensões especialmente hostis e que apenas devem merecer o maior e mais veemente repúdio de cada um de nós.

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