Diário do Alentejo

A casa Alberto da Silva, em Aljustrel
Opinião

A casa Alberto da Silva, em Aljustrel

Manuel Camacho, engenheiro

24 de fevereiro 2020 - 11:00

Quando se fala de qualquer entidade com 100 anos, merece-nos a nossa reverência, já que se trata de uma “marca” que para a maioria das entidades ou dos seres vivos se revela intangível. Nesta efeméride mágica, se falarmos de um veículo automóvel, que traduz o advento da modernidade do século passado, somos forçadamente levados a reverenciar tal prodígio da tecnologia. Se, porventura, abordarmos a grandeza de um edifício da art nouveau somos naturalmente sensíveis à grandiosidade das suas formas, traduzidas na sua inigualável harmonia, ou, sobretudo, se evocarmos um ser humano vivente, e se possuidor das suas capacidades físicas e mentais, então aí a nossa vénia é sobremaneira superlativa, muitas delas testemunhando um trajeto de vida nada fácil, antes pelo contrário, povoado de imensas contrariedades que os tempos conturbados do século passado assim contribuíram.

 

Hoje gostaria, de forma simbólica, evocar a existência de uma loja da minha terra que percorreu ao longo dos últimos 100 anos uma atividade sobremaneira enraizada no pulsar da nossa comunidade – a Casa Alberto da Silva. Ali, naquele espaço, ainda existente, mas remodelado, perpassa a vontade e o gosto de bem servir de três gerações (avô, pai e neto). Curiosamente, ou não, todos os protagonistas que lhe deram corpo ostentam o mesmo nome e o mesmo sobrenome.

 

Esta estrutura familiar resistiu às mais diversas adversidades, tais como os malefícios da febre espanhola no dealbar dos anos Vinte do século passado, as greves nos campos e nas minas na mesma década, a Guerra Civil de Espanha, bem como a II Guerra Mundial, com as presentes senhas de racionamento de sobrevivência, o encerramento prolongado das minas nesse período, pois só o volfrâmio contava para alimentar a indústria de guerra, então no auge, a concorrência saudável da Cooperativa da Mina nos anos Sessenta e, finalmente, o interregno de novo da atividade das minas de Aljustrel nos anos Oitenta desse século, para além da concorrência posterior das grandes superfícies.

 

É elucidativo a existência desta estrutura familiar que soube resistir às diversas adversidades do tempo, revelando a resiliência de uma família que encontrou de forma abnegada em prosseguir uma atividade hoje tão desprotegida como é o comércio de proximidade. Relembro, na minha meninice, o odor do café moído na máquina ainda existente, que invadia toda a proximidade e que não deixava indiferente quem passava nas suas proximidades, bem como das amêndoas gigantes que enchiam a nossa boca e saciavam a nossa contida gulodice por altura da época pascal.

 

Parabéns ao resistente e meu amigo Albertinho e sua família por tão mágico aniversário que se aproxima, desejando que a sua merecida reforma seja plena de memórias contagiantes, porque, certamente, muitas histórias terá para contar, porque existe uma relação de confidência entre o vendedor e o comprador que fica no segredo das suas consciências.

Comentários