Diário do Alentejo

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Luís Godinho, jornalista

15 de janeiro 2020 - 15:00

Já aqui escrevi (artigo publicado a 6 de dezembro de 2019) que dificilmente poderemos reconhecer durante a Idade Média a existência de uma individualidade geográfica no que hoje em dia entendemos por Baixo Alentejo (i.e., o território correspondente aos concelhos que integram as comunidades intermunicipais do Baixo Alentejo e do Alentejo Litoral), remontando a estruturação desta região ao restauro da Diocese de Beja, há 250 anos. Na verdade, a Diocese constitui o elemento agregador de uma vasta área, de Barrancos a Grândola, da serra algarvia à escarpa da Vidigueira. Se lhe somarmos o município de Alcácer do Sal, ainda hoje integrado na Arquidiocese de Évora, encontramos uma região coincidente com a do Baixo Alentejo.

 

Regresso hoje à História para assinalar outro elemento fundamental para compreendermos o tempo presente. A grandeza de Beja sempre esteve diretamente relacionada com a posição mais ou menos central ocupada pela cidade no território. Quanto mais central foi a sua posição no território, maior foi o seu desenvolvimento económico e social. Delimitado a Norte pelo rio Tejo e a Este pelo rio Guadiana e integrando todo o Algarve, o “conventus pacensis”, uma das circunscrições jurídicas da Lusitânia, tinha a sua capital na Pax Julia, cuja centralidade lhe advinha também da sua localização entre Alcácer do Sal e Mértola, as “duas cabeças” da navegação marítima durante o domínio romano e árabe. Aliás, segundo refere José Mattoso, pelo menos até ao século XI a cidade de Beja mantém esse seu papel de liderança, também porque “os invasores árabes respeitavam, em muitos sentidos, as estruturas da sociedade hispano-romana que encontravam”.

 

Só a partir dessa altura, primeiro por causa do “recrudescimento de lutas sociais internas”, depois pela reconquista cristã, é que Beja passa a perder dimensão comparativamente com a cidade de Évora. Convém notar que a reconquista cristã se traduz no retirar da centralidade de Beja num território que é agora bastante mais pequeno, delimitado Entre Tejo e o Guadiana, e visto de Norte para Sul, a partir de Lisboa. Évora está mais próxima da capital e fica definitivamente nas mãos do rei português quase sete décadas antes de Beja. O suficiente para que o antigo bispado visigótico não fosse restaurado, sendo que a presença do bispo, na Idade Média, era de enorme simbolismo político e administrativo. “Os conquistadores preferiram manter todos os territórios situados entre o Tejo e a serra algarvia debaixo da jurisdição de um único bispo: o de Évora (…) tanto cobra os seus dízimos em Évora como em Beja, em Estremoz como em Ourique”, acrescenta Mattoso.

 

Beja continuará, no entanto, a ser cidade do rei, o que “aponta já no sentido de algum protagonismo” que nunca deixará de assumir e que fará dela a capital do Baixo Alentejo na década de 30 do século passado, aquando da institucionalização das províncias. Num tempo em que a centralidade já não se resume a uma localização geográfica mas se joga igualmente num novo mundo de oportunidades digitais, é decisivo um consenso tão alargado quanto possível sobre a melhor forma de vencer os desafios que se colocam a Beja e ao Baixo Alentejo. 

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