Diário do Alentejo

A fábrica da azeitona entupiu?
Opinião

A fábrica da azeitona entupiu?

Alberto Matos, dirigente do Bloco de Esquerda

08 de janeiro 2020 - 11:50

As notícias caíram como uma bomba e fizeram soar as campainhas: as três fábricas de transformação de bagaço de azeitona no Alentejo – Alvito, Odivelas e Fortes – têm a sua capacidade esgotada, estando a receber em média cinco mil toneladas de bagaço diariamente e só conseguindo processar mil toneladas. Segundo um dirigente da Confagri, responsável pela fábrica de Alvito, o setor da olivicultura pode paralisar e há risco de caos ambiental.

 

Perante o silêncio do Ministério da Agricultura e das associações empresariais do setor, cabe perguntar: qual é a surpresa? Quem difundiu, acreditou e lucrou com os contos de fadas sobre o novo “petróleo verde” do Alentejo? Eis o fruto de dezenas de milhões de arbustos de oliveira plantados no perímetro de rega de Alqueva, sem qualquer planeamento; apesar de muita azeitona seguir a granel para Espanha, os novos lagares crescem como cogumelos, estimando-se que na atual campanha sejam produzidas 600 mil toneladas de bagaço de azeitona.

 

Com o conhecimento direto dos problemas causados às populações, a Associação Ambiental Amigos das Fortes apontou “as fragilidades do modelo de desenvolvimento e exploração do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva que tem assentado na monocultura do olival sem que os organismos responsáveis olhem para o território, para as comunidades e para o necessário reforço dos serviços e equipamentos públicos, para além da necessária estratégia a desenvolver de fixação de agroindústrias amigas do ambiente”.

 

Que saídas? Se não há afinal motivo para surpresas, há, e de sobra, para preocupações. Como enfrentar um problema imediato e que se vai agravar nos próximos anos? Continuam a ser plantados milhões de pés de olival – no superintensivo chegam a três mil por hectare, é fazer as contas… Num cenário de alterações climáticas e de seca severa a rega destas monoculturas é sustentável? E vai sobrar água em quantidade e com qualidade para abastecimento humano? Face à superprodução de azeitona e à tendência de queda do preço do azeite nos mercados internacionais, o que vai sobrar deste modelo?

 

No imediato, o alarme causado pelo entupimento da cadeia de produção olivícola pode até ter saídas perigosas – por exemplo, a multiplicação no território de fábricas poluentes como as de Fortes, Alvito e Odivelas em vez de se investir em tecnologias limpas já disponíveis. Outro perigo é a proliferação de tanques de armazenamento de bagaço de azeitona fermentado, que exala cheiros nauseabundos. A crise que eclodiu à porta das fábricas deve servir de alerta para a necessidade de ordenar e planear todo um setor que não pode estar à mercê do improviso e da ganância. Os projetos de lei já apresentados pelo Bloco de Esquerda e pelo partido "Os Verdes" respondem a esta necessidade de ordenamento do território, por maioria de razão em espaço rural. Esperemos que partidos com responsabilidades na região apresentem os seus contributos e que o parlamento possa aprovar legislação que já tarda.

 

A continuação do modelo capitalista selvagem (não há outro) na busca do lucro fácil e imediato, mesmo à custa de trabalho escravo, só pode conduzir a um desastre económico, social e ambiental. É urgente intervir antes que sobre, mais uma vez, a nacionalização do prejuízo.

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