Diário do Alentejo

Farto de mim
Opinião

Farto de mim

Vítor Encarnação, professor

31 de março 2024 - 12:00

Estou farto de mim, dizia o homem afundado numa cadeira da esplanada. Um ponto de exclamação ecoou de mesa em mesa e fez voltar cabeças.

Ninguém proclama uma frase deste calibre e se cala logo a seguir. Não pensem que estou farto da vida, continuaram o homem e o eco, a vida e os que gostam de a viver não têm culpa do meu cansaço.

Estou muito longe de querer desaparecer, ou de morrer que é o supremo ato, a desistência total ainda não me chama, o que me impele para a prostração é o labirinto onde eu me meti, esse enredo de responsabilidades, essa teia de projetos e vontades cada vez menos minhas, cada vez mais dos outros.

Não sei dizer não ao que me pedem, habituei-me a dizer sempre que sim, habituei os outros à minha concordância imediata, à minha ausência de egoísmo, à minha disponibilidade, sou conhecido por fazer o que me pedem e eu concordo com tudo, batem à minha porta, eu abro e vertiginosamente concordo com tudo, as pessoas carregam o meu cérebro de solicitações, enchem-me de exigências e marcam datas impossíveis de tão próximas que são.

Mas eu digo que sim, nunca recuso nada, junto os pedidos uns aos outros como se fossem fardos de aflição e ponho-os às costas, dentro da cabeça, dentro do peito, dentro do coração. Ontem encontrei dois pedidos esquecidos dentro do coração, tapavam-me o correr do sangue, ia morrendo, não fosse um copo de vinho e uma janela aberta. Bateram-me agora à porta, é preciso que uma coisa fique pronta daqui a bocado.

Deixei de respirar. Com a boca cheia de ansiedade só consegui acenar com a cabeça. 

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