Diário do Alentejo

Este aparente fim é o reinício do mesmo
Opinião

Este aparente fim é o reinício do mesmo

Vítor Encarnação

29 de dezembro 2023 - 08:00

 Já não faço balanços, nem me comprometo com nada, dizia o homem sentado na esplanada. Já não me culpo por aquilo que fiz mal, nem me gabo do que fiz bem, já não procuro razões para o que aconteceu, nem arrisco promessas. Levei anos a calcular o deve e o haver da minha vida, chegava esta altura e não fazia mais nada a não ser frustrar-me por causa do que projetava e depois não concretizava. Levei anos a preparar uma vida nova, a passar uma esponja por cima do inalcançado, a desculpar-me uma e outra vez, a iludir-me com passas e desejos avidamente pedidos durante as doze badaladas. Não foram poucos os anos que desperdicei nesta revisão existencial e nesta fantasia. Agora, infelizmente só agora, já vou sabendo o que sou, aceito o que sinto, já vou entendendo que a vida não se divide em fatias de tempo, dezembro não é o fim de nada e janeiro não é o princípio de nada, este aparente fim é apenas o reinício do mesmo. E esse mesmo somos nós, uma antropologia de emoções, uma geografia de pele, carne e ossos, sem interrupções, a caminharmos irremediavelmente para um ano em que a nossa morte fará parte do balanço dos outros, para um ano em que seremos nós próprios o que foi debaixo da esponja do tempo. São tantos os amigos que vou perdendo, os seus sonhos derrotados pelo tempo, outros que sofrem injustamente às mãos da vida, estes perdê-los-ei em breve, já não consigo ser tão otimista como era, a história vai-se contando e já é longa. Tão longa que já descobri que na noite de ano novo posso sentir o que eu quiser.  

Comentários