Diário do Alentejo

Pôr da Terra
Opinião

Pôr da Terra

Vítor Encarnação

07 de dezembro 2023 - 14:20

Afinal, se pensarmos melhor, no que diz respeito à nossa relação lírica com o Sol, estamos muito mais perto de Ptolomeu do que de Copérnico. Ao fim da tarde, quando a claridade esmorece, sem nos apercebermos, inebriados de beleza, validamos a teoria do geocentrismo e esquecemo-nos que não é a Terra o centro do Universo. Com os olhos fixos no horizonte, junto ao mar ainda é mais bonito, estamos seguros que é o Sol que se move porque é ele que desaparece. Quando não mexemos os olhos, o que sai de dentro dos olhos é que se vai embora. Enquanto eu durmo, enquanto os pássaros dormem, o Sol há de então orbitar a Terra uma noite inteira e depois renasce. E se renasce é porque esteve morto de luz, é porque andou sabe-se lá onde, frio, vagabundo. É porque a Terra esteve quieta, secularmente quieta, profundamente imóvel, vetustamente imóvel, à espera que os pássaros acordassem o Sol e o trouxessem de volta. Quando dizemos que o Sol nasce num sítio e se põe noutro, estamos a desmentir Galileu. O que devíamos dizer é que quando a luz se esvai, quando o azul do céu colapsa, não há nenhum pôr do Sol, o astro-rei não se esconde, é a Terra a pôr-se, é este astro cego a rodar à procura da luz da lua e das estrelas. Devíamos redefinir o vocabulário, devíamos clarificar de uma vez por todas o que se mexe e o que não se mexe, chamar outra coisa ao nascente e ao poente, devíamos finalmente aceitar o heliocentrismo, devíamos ir ver o pôr da Terra e dizer que junto ao mar o pôr da Terra é ainda mais bonito.

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