Diário do Alentejo

A nova sala de aula matou a palavra
Opinião

A nova sala de aula matou a palavra

Vítor Encarnação, professor

17 de novembro 2023 - 10:18

A sala de aula mudou e eu não sei se arranjo ânimo para acompanhar essa mudança, dizia o professor a quem tinha paciência para o ouvir. Eu sei que o mundo se transforma, mas eu duvido que pule e avance como uma bola colorida nas mãos de uma criança, como dizia o poeta, nem sempre a modificação é boa na sua essência, pode ser boa no seu intuito, mas não me parece que tenha substância, para se ir de um ponto ao outro é preciso uma preparação mais cuidada, é preciso que os viajantes tenham cabeça para pensar, discernimento para decidir, conhecimento para progredir. Dantes, eu tinha a palavra, eu usava a palavra para explicar, para indicar caminhos, para tirar dúvidas, para avaliar, para redefinir. A palavra ouvia-se e a palavra funcionava porque tinha importância. Mas agora já não tem, agora a palavra é uma causa perdida. Se falo, se digo, sou demasiado expositivo e os alunos perdem-se, não se concentram, se explano, se vou buscar exemplos, torno-me enfadonho e os alunos aborrecem-se, se imponho, se estabeleço regras e limites, é traumatizante para os alunos, se exijo ideias próprias, se determino que não aceito repetições e frases feitas, a sala de aula fica dormente, sucumbe ao cansaço, mergulha em angústia. A palavra foi trocada por ferramentas tecnológicas, por recursos digitais, por ficheiros áudio, por jogos, por exercícios interativos, por luz, cor e alegria. A nova sala de aula matou a palavra, já nem sabe dizer bom dia. Eu entro e já ninguém diz bom dia. 

Comentários