Diário do Alentejo

Todos errados e todos vítimas...
Opinião

Todos errados e todos vítimas...

Tiago André Lopes

20 de outubro 2023 - 10:30

O dia 7 de outubro fica marcado por um novo e dramático capítulo na tensão política, diplomática e beligerante entre Israel e o Hamas, que representa uma das fações que compõem a complexa causa palestiniana. Vamos por partes, os israelitas e cidadãos estrangeiros mortos e raptados pelo Hamas foram alvos de uma incursão terrorista. Não há forma de contornar, branquear, aligeirar as palavras. Foi terrorismo orquestrado de modo sincrónico e com a racionalidade fria da barbárie...

Israel tem, por isso mesmo, direito, à luz dos princípios morais e das normas internacionais, ao exercício da força como mecanismo de defesa e da pacificação do contexto securitário. Mas, e isso também importa, o direito à defesa é, em todos os casos, calibrado e balizado pelo princípio da proporcionalidade de meios. Não se justifica matar 10 000 para vingar 100.

O ato do dia 7 de outubro, que espoletou um conflito que leva quase duas semanas e que corre o risco de vir a ser contado em meses e não em dias, é um ato terrorista, sanguinário, bárbaro... mas não acontece no vazio. É consequência da falência do processo negocial para a implementação da solução dos “dois estados”.

Israel tem por direito próprio um estado desde 1948, enquanto a causa palestiniana viu em quase 75 anos o seu território ser apropriado, anexado, colonizado; a causa Palestiniana viu duas ou três gerações de refugiados palestinianos, nos campos da Jordânia, do Líbano, do Egito, nascerem e morrerem sem direitos de cidadania plena. Gente que nasce e morre com o estatuto de “pessoa sem estado” que a coloca num permanente limbo jurídico que coarta direitos e reduz acessibilidades.

Israel pode, e felizmente que pode, desenvolver-se nos domínios económico, cultural, científico e político. Israel conseguiu fazer vingar o direito aos israelitas e aos judeus de terem um estado que os protegesse e compreendesse a especificidade do seu legado histórico-cultural. Os palestinianos ficaram a ver o território que tinham habitado, trabalhado e ocupado ser transferido para outras mãos sem que muito fosse feito.

A radicalização é sempre a solução que almejamos que seja evitada, mas quem tem pouco mais do que sonhos e projetos, quem tem pouco mais do que a noção que o tempo se esvazia e a memória se poderá eclipsar sobre os projetos do futuro e se poderá esbater sobre os feitos do passado, acaba por entrar no lógica do tudo ou nada. Quem sente que nada tem, arrisca tudo, porque não se perde o que ainda não se conquistou.

É desculpismo? Não. Lamento. É realidade. O Hamas tornou-se popular, com índices a flutuar entre os 39 e os 46 por cento após o ano de 2019, volvidos quatro anos de paralisação do processo negocial na Organização das Nações Unidas; o Hamas tornou-se popular porque a Autoridade Palestiniana entrou na negociação fadada a fazer cedências sem receber a devida réplica. Em setembro de 2021 a popularidade atingiu o seu pico, segundo uma sondagem feita por um think tank sediado na Jordânia, alcançando os 46 por cento. Nessa mesma sondagem, Mahmood Abbas, líder da Autoridade Palestiniana desde 2005, tinha uma taxa de popularidade de 19 por cento.O dia 7 de outubro é fruto de ultraradicalismo, de uma vil violência bárbara, mas não é consequência do acaso. Israel foi vítima, a 7 de outubro, das vítimas que vai gerando por quase 75 anos de inconseguimento negocial. Israel foi vítima, foi, mas a Palestina também foi. O Hamas errou ao usar violência física, seguramente; mas é igualmente errado o uso de violência física desproporcional por Israel... Lembro que entre 2008 e setembro de 2023 morreram 308 israelitas em atos terroristas e 6407 palestinianos na contra-resposta. Isto não é errar?

Não há soluções simples para deslindar este puzzle, mas há ideias simples que devemos reter: a morosidade negocial gera insatisfação, alienação e radicalização; a desproporcionalidade gera ódio; a ausência de diálogo pelas palavras leva à urgência do diálogo pelos atos. Está tudo errado neste conflito, mas comecemos por aceitar que vítimas são todos.

A desradicalização da causa palestiniana começará quando o processo negocial ganhar verdadeira substância e Israel, bem como os aliados mais próximos, compreender que negociar é ceder. E uma última nota: o direito internacional tem que valer para todos. Não podemos querer condicionar uns mais a norte, para isentar outros mais a sul... O paradoxo gera injustiça, que gera insatisfação, que gera erros, que gera mais vítimas... Comecemos por ser coerentes e substantivos, e talvez deixem todos de estar errados e de ser vítimas. Até porque, o caminho do paradoxo, percorrido até aqui, claramente não funciona.

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