Diário do Alentejo

Jordânia
Opinião

Jordânia

Vanessa Schnitzer

13 de outubro 2023 - 11:00

É um mundo misterioso. Elevado e paralelo. Acima e ao lado. Fechado. Ou melhor, exclusivo. Um mundo feito de cumplicidades e significados subentendidos. Uma linguagem universal, mas só para quem a conhece. Há tanto para dizer sobre o país dos Evangelho, que tanto intriga a humanidade sensível. Impressionou-me bastante, a sensação de pisar o solo mitológico, por onde terá desfilado um repertório tão rico: Cleópatra, o Éden, Sodoma e Gomorra, Osíris e Íris, a Babilónia, os profetas Maomé, Abraão e Jesus Cristo.

Há tanto para dizer, apesar de uma semana nunca ser suficiente para colher impressões definitivas e universais acerca de uma realidade tão complexa, feita de contrastes e paradoxos, uma pluralidade de nuances que jamais poderá ser absorvida em poucos dias. E do muito pouco que absorvi, terei de fazer o difícil exercício de “apurar” o mais importante, e deixar o restante para a próxima crónica, em caso de interesse dos leitores.

A beleza milenar das construções edificadas em tempos remotos contrasta com a sujidade das ruas e dos povos andrajosos que surgem banhados pela poeira, vivendo em casebres escuros e desconjuntados, sem condições de higiene e salubridade, trabalhando nos campos como animais em terras que não lhes pertencem. A intensa movimentação das ruas, alimentada pelo comércio dos bazares, que ostentam os panos, vestidos, espadas, sedas, babuchas, bordados; atraindo os mais afetos das “mercancias”. No entanto, o que mais abalou o meu espirito foi o facto de assistir nesta região do crescente fértil, onde foram descobertas as primeiras sementes de uva, datadas de 8000 a.C., em função das escavações feitas em Catal Huyuk (cidade antiga situada entre a Turquia e Jordânia) que não seja permitido o consumo de vinho. Pelo contrário, deveria ser consagrado como o verdadeiro símbolo da nação e um ato cultural por excelência.

Nomeio os pontos altos desta magnífica expedição. A imaginação do formidável contexto da cidade bíblica na cidadela de Amã, e a satisfação das curiosidades clássicas com a visita ao castelo medieval de Aljoun e a uma das cidades da Decapolis Romana, Jerash, fundada por Alexandre o Grande. Nesta última nem foi preciso entrar, para os olhos recaírem deslumbrados diante do arco triunfal de Adriano. Ao percorrer as ruínas da magna cidade greco-romana, o olhar vai ao encontro de um bastião com aspeto heróico que parece surgir a intervalos regulares, que se sucede até ao instante em que irrompe dos céus o Templo de Artémis, em homenagem à Deusa da Caça. A experiência finda com o mágico entardecer, banhado pelo luar luminoso que emana do horizonte celeste, onde os sonhos não resistem em acampar. Finalmente, destaco a experiência, para mim eleita: a aventura no deserto Wadi-Rum. Seria necessário que esta dura caneta com que escrevo fosse manuseada pela mão delicada dum poeta persa, para fazer sentir, de um modo real, todas as sensações vividas. A começar pelo passeio de jipe, que atravessava a paisagem quente, cruzámos fileiras de camelos com os beduínos em cima que pareciam ondular numa espécie de dança monocórdica. E como pano de fundo, os colossos de pedra que cercavam as colinas de areia. Uma beleza arrepiante e visceral. E depois, aquele silêncio, uma espécie de serenidade tropical, abafada por uma luz mágica. Era preciso prolongar esta vivência, antes de regressar ao acampamento que se antevia algo ruidoso.

Na impossibilidade de relatar as restantes experiências, despeço-me com aquela que terá sido a dúvida existencial de Miguel Unamuno: “A verdadeira paisagem é aquela que temos diante dos olhos, ou aquela que é transfigurada no regresso à Pátria?”.

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