Diário do Alentejo

Qualquer dia
Opinião

Qualquer dia

Vítor Encarnação

13 de outubro 2023 - 10:30

Qualquer dia não se conhece ninguém. Ouvi isto numa rua da minha terra, uma pessoa da minha terra ia a dizer isto a outra pessoa da minha terra sobre pessoas que não eram da minha terra. Cada vez ouve-se mais isto, a diferença só é boa lá ao longe, longe dos nossos filhos, das nossas mulheres, dos nossos olhos, das nossas ruas, do nosso país. Mesmo que lá longe haja fome e haja guerras, mesmo que lá longe estejam filhos e mulheres à espera do conforto de uma meia dúzia de euros. Era um dia quente que de repente ficou frio, era um céu azul que se tornou chumbo, era a língua portuguesa a transformar-se em língua alemã. Era isto que eu ouvia muitas vezes na rua de uma terra que não era minha, apesar de eu gostar tanto de lá estar e de ela me dar tanta coisa boa que eu não tinha na minha terra. Qualquer dia tomam conta disto tudo, era isso que eu ouvia em alemão, era isso que o Florindo, a Celeste, o Mustafa, o Aslan, o Enrique, a Svetlana, ouviam muitas vezes na rua e no supermercado. Ouviam e calavam e depois iam limpar casas, esfregar sanitas, trabalhar no lixo, fazer todas as horas extraordinárias que conseguissem para juntarem dinheiro e para construírem uma casa na sua terra. Quem dizia que os estrangeiros iam roubar os seus empregos não me conhecia, não conhecia o Florindo, a Celeste, o Mustafa, o Aslan, o Enrique, a Svetlana, dizia isso porque foi ensinado a recear a diferença, a julgar a cor da pele, a desconfiar duma língua que não se percebe. E os mestres destes ensinamentos continuam por aí. 

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