Sem querermos ser propriedade de ninguém, queremos ser uns dos outros, queremos fazer parte de uma essência repartida, de um espírito comum, de uma substância partilhada, de um cerne, de um coração conjunto, de uma estrutura emocional, de um miolo igual, de uma tarde inteira, de uma noite longa, de um abraço de muitos braços. Sem querermos perder a nossa identidade, queremos ser de outros, darmo-nos a outros, recebermos o que eles nos dão, é tão bom receber palavras e silêncios e cânticos e música e vinho e sorrisos e olhos brilhantes e livros e poemas e histórias de outros tempos. Sem querermos trocar a nossa existência por outras, queremos estar perto de outras existências, brindar com copos de vidro transparente como almas boas, perguntar como vão, preocuparmo-nos com a suas penas, ficarmos contentes com os seus contentamentos, ajudarmos a resgatá-las dos seus abismos, ajudarmos a construir os seus sonhos e ideias possíveis e impossíveis ao mesmo tempo. Sem querermos mudar os outros e sem querermos que eles nos mudem a nós, queremos estar com eles para nos trocarmos, para nos tocarmos com delicadeza e afetos e suavidade, para nos brindarmos com outros sinónimos, porque a ternura nunca é redundante, a ternura nunca é excessiva. Sem querermos que os outros entrem demasiado na nossa vida, queremos muito que eles entrem no nosso peito e se sentem um bocadinho a nosso lado, durante uma tarde, durante uma noite, comungando das nossas emoções. Na amizade, somos sempre uns dos outros.