Numa minuciosa jornada aos misteriosos conteúdos desportivos, aportamos no admirável futebol de rua, viajamos por tempos áureos e revemos imagens inesquecíveis. Da velha artéria de uma aldeia, vila ou cidade ao bairro mais árido deste infinito planeta, passando pelas favelas ou guetos onde as carências extremas ditam tácitas ordens gregárias, para além das típicas savanas africanas, o futebol criou raízes profundas numa sociedade que se moldou a uma modalidade em que o ocasional mendicante se transformou num homem conhecido e senhor de uma conduta estratosférica que o eleva a um lugar inexoravelmente venerado.
Na alta competição sempre proliferaram atletas oriundos do trivial futebol de rua. Atletas que se imiscuíram num agregado distinto de uma sociedade em que os sonhos se tornaram realidade. Lembro, enquanto criança, me deparar com jovens que cedo manifestavam talento para acarinharem inexplicavelmente a mítica bola, não obstante a sua matéria-prima se rotulasse de trapos. O requinte do pormenor inserido na figura do fedelho suscitava interesse naquele velho “olheiro” que passava horas a deliciar-se com os feitos da miudagem. Na verdade, ninguém lhes ensinara a forma de jogar, logo a apetência do garoto era nata. O passe, o remate, o golo, ou a aprimorada finta, exalava o dócil cheiro de um fino bálsamo que suscitava cavaqueira entre os adultos. Mais tarde, alguns assumiram o estatuto de genuínos craques. Levaram, e levam, multidões ao êxtase e são merecedores de efetivos aplausos. Uns construíram uma vida de sucesso, outros, porém, caíram em armadilhas nunca acauteladas. Perderam-se no tempo e nas ratoeiras de uma faustosa vida onde acabaram como vítimas da desgraça.
Do sucesso ao insucesso vai um pequeno passo. Mas o verídico craque traça planos vindouros, arruma o seu ego e não se deixa arrastar pela vaidade que o êxtase do momento convictamente lhe proporciona. A solução plausível para desbravar airosamente este mundo de ilusões está, a meu ver, na génese do próprio jogador. Mas, por outro lado, existem alguns que constroem castelos de areia que resvalam para a impiedosa fantasia que atira os seus parcos haveres para o banco do jardim, ao invés de outros que singraram na vida. Envolveram-se em universos esquisitos e foram apanhados pelas amarras do consumismo. Ganharam e gastaram, sendo que dessa vivência de abastados nada sobrou. Neste dúbio cenário desportivo, fica a convicção de que no futebol de rua nasceram similarmente autênticos ases que souberam dignamente respeitar as suas originalidades. E é justamente que nesse articulado do futebol de rua que falemos de uma juventude bejense que tem sabido magistralmente erguer, e bem alto, a sua arte numa causa que muito bem representam, mostrando ao mundo que em Beja e na sua região existem excelentes atletas nesse maravilhoso cosmos futebolístico. Bem-haja a vossa voluntariedade!