Diário do Alentejo

Mariana Alcoforado – Carta 4
Opinião

Mariana Alcoforado – Carta 4

Vítor Encarnação, professor

25 de agosto 2023 - 15:00

Mariana, mon amour, já pensei em abalar, lembro-me tão bem deste verbo, lembro-me tão bem de me dizeres para eu nunca abalar, mas sou incapaz de me fazer ao caminho, estou exausto, deprimido, agarrado a uma ideia sombria, cheio de remorsos. Morreria certamente a meio da jornada, morreria de fraqueza de corpo ou de espírito. Prefiro que as minhas missivas cheguem seguras e completas. Ao contrário de mim, as minhas palavras nunca morrerão porque elas são feitas da minha pele entretecida na tua, da minha carne fundida na tua. Já falei com o oficial que te há de levar estas cartas.

Pedi-lhe que não parasse nunca, que não desse sossego aos cavalos, que não se amedrontasse com o mar, que dobrasse horizontes e searas e não descansasse até chegar a Beja, até que estas palavras cheguem aos teus olhos. Paguei-lhe uma fortuna. Mas troco de bom grado essa fortuna pela fortuna de nos amarmos outra vez. Ele tem instruções claras. Só voltará com uma resposta. Ou a tua sexta carta me devolve a vida ou me encaminha para a morte. Só me resta esperar. Por favor, não me abandones. Escrevo-te estas últimas palavras. Um trovador belga, que acompanhará o oficial, irá cantá-las à tua janela. “Ne me quitte pas, Il faut oublier, Tout peut s’oublier, Qui s’enfuit déjà, Oublier le temps, Des malentendus, Et le temps perdu, À savoir comment, Oublier ces heures, Qui tuaient parfois, À coups de pourquoi, Le cœur du bonheur, Ne me quitte pas“.

Ton amour, Noël Bouton de Chamilly.

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