Diário do Alentejo

Mariana Alcoforado – Carta 2
Opinião

Mariana Alcoforado – Carta 2

Vítor Encarnação, professor

12 de agosto 2023 - 15:00

Mariana, mon amour. Lembro-me bem do dia em que decidi deixar-te, deixar Beja e deixar Portugal. Como já o teu coração ferido saberá, eu menti-te, a enfermidade do meu irmão foi apenas um pretexto para eu fugir da tua família com receio que me matassem. Devia ter escolhido morrer trespassado pela espada do teu pai, devia ter aceitado morrer para te mostrar todo o meu amor por ti, não fosse o meu desvalor, morrer por ti teria sido pouco.

Desta forma, as tuas lágrimas teriam feito sentido, tu debruçada sobre o meu corpo, as tuas mãos cheias do meu sangue, o teu beijo na minha fronte que gelava, a tua tristeza à beira da minha cova. Morri tantas vezes docemente na tua pele, senti tantas vezes essa petite mort no teu corpo. Devia ter-me sacrificado em teu nome, pelos teus lábios, pela tua carne. Se o tivesse feito com a paixão e o fogo abissal dos amantes, a história da poesia reservar-me-ia um lugar grandioso. Assim, serei sempre um fraco, um cobarde, um vencido da vida. Na tua terra cantam-se fados, pois fica sabendo que eu sou o fado mais triste de todos, um fado lancinante que não tem fim. Às vezes, de madrugada, sinto que acordamos um no outro. Sei que é um sonho, mas deixo-me ficar, a minha boca a saber à tua, depois de tantos anos, a tua língua à procura da minha para me dar um beijo em português, nessa tua pronúncia de trigo, desejo e lonjura. Depois de ter dado o recado à freira clarissa sobre a enfermidade do meu irmão e de ter avisado a minha companhia, fugi a cavalo para Sines.

Ton amour, Noël Bouton de Chamilly.

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