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Luís Godinho, jornalista

25 de setembro 2020 - 10:40

A pandemia tornou evidente a necessidade de repensarmos a organização da resposta social aos idosos. O problema não é novo. Ainda recentemente foi divulgado um estudo coordenado por Teresa Madeira, investigadora da Faculdade de Medicina de Lisboa, segundo o qual a prevalência de desnutrição (4,8 por cento) ou em risco de desnutrição (38,7 por cento) é o dobro nos idosos que estão em lares quando comparada com os que vivem em casa. Mais. As taxas de depressão são mais elevadas nos idosos que vivem em lares (chegando aos 47 por cento), tal como as situações de dependência (87 por cento).

 

Uma leitura apressada destes números, obtidos na sequência de entrevistas feitas a uma amostra de 2296 idosos, metade dos quais a residir em lares, poderia levar à conclusão que esta é uma resposta social desadequada às necessidades dos mais velhos. É uma conclusão errada. Desde logo porque, como adverte Teresa Madeira, “não sabemos como é que estas pessoas estariam se vivessem em casa, mas podemos colocar a hipótese de que estariam piores se não tivessem cuidadores para preparar as refeições, fazer as compras, cozinhar, suporte que o lar oferece". Depois, porque os idosos chegam aos lares "com mais idade, com mais doenças e doenças mais graves, com maior dependência e demência" comparativamente com o que sucedia há 10 anos, segundo o resumo feito por João Ferreira de Almeida, presidente da Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos, em entrevista ao “Diário de Notícias”.

 

O que sabemos é que o problema existe. E sabemos também que, ao longo dos anos, apesar de vários estudos e alertas, foi (quase) sempre ignorado pela opinião pública. Até que a pandemia veio colocar um foco sobre a realidade dos lares portugueses. Mais de metade dos idosos que aí reside tem mais de 80 anos. Haverá 78 mil idosos a viver em lares. A resposta social foi, toda ela, entregue a entidades privadas, sobretudos Instituições Particulares de Solidariedade Social ou equiparadas que passaram a assumir uma importância central na implementação de medidas e serviços de proteção social.

 

O Estado reservou para si o papel de fiscalizador do cumprimento das regras (no que tem falhado em inúmeros casos; veja-se o de Reguengos ou os lares ilegais) e de pagador, prestando apoio técnico e financeiro às IPSS. Por ano, são financiadas mais de seis mil instituições que trabalham com pessoas idosas, numa verba próxima dos 550 milhões de euros. Seria possível fazer mais e melhor? Será uma verba suficiente para garantir uma prestação de cuidados com qualidade?

 

Neste contexto, é da maior relevância o plano de desinstitucionalização das pessoas idosas (PDPI) que o Bloco de Esquerda se prepara para apresentar. A criação de um serviço público de apoio domiciliário, iniciativas como as aldeias comunitárias, maior investimento nas IPSS “como resposta de emergência” e a melhoria dos apoios ao nível dos cuidados de saúde devem traduzir-se numa nova resposta para os problemas decorrentes do envelhecimento da população. Problemas que no Baixo Alentejo, pelas suas características, assumem uma dimensão mais grave do que a nível nacional.

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