Diário do Alentejo

Viagens arruinadas pela pandemia têm de ser reembolsadas

Opinião

Viagens arruinadas pela pandemia têm de ser reembolsadas


Mário Frota, presidente da Associação do Direito ao Consumo

12 de junho 2020 - 09:00

A polémica em torno das viagens organizadas canceladas, em particular as que se centravam nos finalistas do ensino secundário, e dos correlativos direitos dos consumidores, subiu de tom nas últimas semanas.

 

Após a proibição pelo decreto de execução do estado de emergência das viagens de finalistas e do seu “reagendamento”, veio a lume a 23 de abril o decreto-lei 17/2020 que, em nosso entender, tende a garantir o funcionamento das agências de viagens e turismo a expensas das famílias que haviam reservado viagens (dos conhecidos pacotes e/ou outras), em claro desequilíbrio de posições e com afronta a instrumentos europeus a que o País deve necessariamente obediência (v.g., a diretiva 2015/2302, de 25 de novembro).

 

Que soluções aportou o legislador? De modo breve:

 

“As viagens organizadas por agências de viagens e turismo, cuja data de realização tenha lugar entre o período de 13 de março de 2020 a 30 de setembro de 2020, que não sejam efetuadas ou que sejam canceladas por facto imputável ao surto da pandemia da doença covid-19, conferem, excecional e temporariamente, o direito aos viajantes de optar:

  • Pela emissão de um vale de igual valor ao pagamento efetuado pelo viajante e válido até 31 de dezembro de 2021 ou pelo reagendamento da viagem até 31 de dezembro de 2021;
  • O vale (voucher) é emitido à ordem do portador e é transmissível por mera tradição;
  • Se não for utilizado até 31 de dezembro de 2021, o viajante tem direito ao reembolso a efetuar no prazo de 14 dias;
  • Se, porém, o titular da reserva se achar desempregado, o reembolso do preço pago será a solução vertida na lei”. 

 

No limite, viagens pagas agora só serão eventualmente reembolsadas em 2020, num enorme hiato que prejudica gravosamente as famílias.

 

Na ponderação de interesses, ante famílias que sofreram forte rombo com a situação que ocorre e as empresas que sempre terão à sua disposição os programas de financiamento que o Estado põe à sua disposição, não se concebe que hajam de ser aquelas a garantir a subsistência das agências de viagens sem quaisquer contrapartidas.

 

Além do mais, com o decretamento da pandemia a 11 de março pela Organização Mundial de Saúde, todos os destinos turísticos ou não seriam sempre locais de perigosidade acrescida, estando vedados aos viajantes.

 

Daí que não se perceba o facto de o legislador ter afrontado regras imperativas editadas pelo Parlamento Europeu e se acham em vigor (n.º 2 do artigo 12 da diretiva), traduzidas na Lei portuguesa, a saber:

 

“ … O viajante tem direito a [pôr termo ao) contrato de viagem organizada antes do início da viagem organizada sem pagar qualquer taxa […] caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino”. 

 

Em caso de [extinção] do contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante tem direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados para a viagem organizada, mas não tem direito a uma indemnização adicional”.

 

Reembolso integral, sem mais. Os consumidores poderão impugnar nos tribunais as normas editadas em Portugal a 23 de abril.

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