Diário do Alentejo

Villa romana de Pisões, em Beja, acolhe turistas, estudantes e investigadores

09 de março 2020 - 10:29

Sob responsabilidade da Universidade de Évora, em parceria com a Direção Regional de Cultura do Alentejo e a Câmara Municipal de Beja, o sítio arqueológico de Pisões acolhe desde finais de 2017 centenas de turistas, estudantes e investigadores nacionais e estrangeiros, havendo diversos trabalhos científicos em curso. Em paralelo, está neste momento em execução o projeto “Requalificaçã o da villa romana de Pisões”, aprovado pelo Alentejo 2020 e que inclui três açõ es principais: intervenções físicas de conservação, restauro e qualificação das ruínas visitáveis; qualificação do percurso turístico da villa, com o objetivo de melhorar as acessibilidades; e desenvolvimento de suportes audiovisuais e de realidade aumentada multilingue para apoio informativo ao visitante, nos quais serão incorporados os resultados da investigação efetuada.

Texto: Carlos Lopes PereiraFotografia: José Ferrolho

A villa romana de Pisões, nos arredores de Beja, recebeu desde a reabertura do sítio arqueológico ao público, em 27 de setembro de 2017, cerca de 2700 visitantes (turistas), perto de 150 investigadores nacionais e estrangeiros e 467 estudantes, uma parte em visitas de estudo simples, outra parte em visitas de estudo com modalidade de atividades de oficina. A informação é da Universidade de Évora (UE), proprietária do terreno onde se localiza o sítio arqueológico e responsável pelos trabalhos científicos ali em curso. Andreia Rosa, coordenadora da Divisão de Comunicação da UE, que funciona na dependência direta da reitoria, contactada pelo “Diário do Alentejo”, explicou que, a nível da investigação científica, estão em curso em Pisões “trabalhos de prospeção geofísica de toda a área através de métodos não invasivos, como a tomografia de resistividade elétrica, georradar, indução eletromagnética e gradiometria magnética, que têm revelado partes desconhecidas da villa”. Para além destes estudos de prospeção, está em curso o desenvolvimento de técnicas de cruzamento de métodos geofísicos e geodésicos que permitem desvendar pormenores das técnicas construtivas romanas nalgumas peças da villa, como os mosaicos, assim como inspecionar o seu estado de conservação por métodos não intrusivos. Sobre este tema foi recentemente publicado um artigo em revista internacional que mostra a constituição de um painel de mosaicos de Pisões. Decorrem, simultaneamente, estudos de arqueometria para caracterização e interpretação dos materiais, com resultados igualmente publicados em revista internacional. E está em fase de conclusão uma tese de doutoramento cujos trabalhos se têm centrado na prospeção geofísica em Pisões.

 

SALVAGUARDA E VALORIZAÇÃO DE PISÕES

 

No quadro do acordo de cooperação, protocolado em agosto de 2016, entre a UE, a Direção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA) e a Câmara Municipal de Beja (CMB), têm sido levadas a cabo ações para a salvaguarda e valorização do património de Pisões. De acordo com Andreia Rosa, na fase inicial que antecedeu a abertura da villa ao público, foi necessário proceder a intervenções que satisfizessem as condições de abertura em termos de salvaguarda do património e de condições para os visitantes. Para isso, “foram feitas obras de recuperação das instalações de apoio, por forma a criar um local de acolhimento e informação ao visitante”, mantendo esse edifício uma exposição sobre a interpretação da villa. Efetuou-se uma campanha de limpeza, conservação e restauro de parte das ruínas e “foi concebida e produzida uma nova imagem para campo arqueológico, a partir de elementos ilustrados nos mosaicos, introduzindo nova sinalética do percurso turístico definido”. Desde então, a universidade, em parceria com a direção regional de Cultura e o município bejense “têm vindo a concorrer a vários programas, com o objetivo de captar financiamento para a recuperação do sítio”. Pormenoriza Andreia Rosa que o projeto “Requalificaçã o da villa romana de Pisões”, aprovado pelo Alentejo 2020, está neste momento em execução, numa parceria entre a UE, a DRCA e a CMB, e inclui três ações principais: – intervenções físicas de conservação, restauro e qualificação das ruínas visitáveis, incluindo a consolidação das estruturas degradadas de acordo com o estudo efetuado, em particular nos mosaicos de tesselas e nas estruturas do edifício das termas e espelho de água; – qualificação do percurso turístico da villa, com o objetivo de melhorar as acessibilidades, respeitando as especificidades do património, incluindo pavimentação e pontos de descanso; – desenvolvimento de suportes audiovisuais e de realidade aumentada multilingue para apoio informativo ao visitante, nos quais serão incorporados os resultados da investigação efetuada.

 

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VISITAS DE TERÇA-FEIRA A DOMINGO COM MARCAÇÃO E BILHETES A TRÊS EUROS

 

No sítio web da Universidade de Évora há informação sobre a villa romana de Pisões: “Situada no concelho de Beja, constitui um dos mais interessantes sítios arqueológicos em termos de testemunho da presença romana na Península Ibérica. Contendo elementos do século I d.C. até à época visigótica, o espólio desta villa inclui uma inscrição funerária, consagrada à deusa Salus, por Numerius, escravo de Caius Atilus Cordus, o que fornece – provavelmente – o nome da família que no século I d.C. seria proprietária da exploração agrícola. Nos anos Setenta [do século XX] foram aí realizadas escavações (não conduzidas por arqueólogo) que permitiram colocar, parcialmente, a descoberto a residência senhorial, que compreende 48 divisões, algumas apresentando pavimento de mosaicos, centradas no pequeno peristilo de quatro colunas, o que a torna numa das mais originais plantas arquitetónicas nesta categoria de sítios. De salientar o enorme espelho de água na fachada virada a sul, um dos maiores conhecidos neste tipo de residências privadas em toda a Península Ibérica. Acrescentem-se o edifício termal e as suas numerosas salas revestidas a mármore, o aqueduto identificado a norte e uma barragem cujo paredão se encontra razoavelmente conservado, para se perceber que estamos perante um património único que merece a nossa maior atenção”. O site da Universidade de Évora informa que as visitas a Pisões decorrem de terça-feira a domingo, das 9:00 às 12:30 e das 14:00 às 17:00, mediante marcação prévia (para divcom@uevora.pt) e bilhetes a três euros.

 

Uma longa história

Tem uma longa história, a villa romana de Pisões, uma residência senhorial do século I d.C., no concelho de Beja. Foi achada por acaso, nos anos 60 do século passado, quando o proprietário da herdade de Almocreva, a meia dúzia de quilómetros de Beja, encontrou três pesos de lagar, no decorrer de trabalhos agrícolas. Fernando Nunes Ribeiro, veterinário, proprietário agrícola, político e arqueólogo amador bejense, avisado pelo lavrador, pediu- lhe que fosse guardando todas as pedras encontradas que “mostrassem trabalho humano”. Em 1967, o trator pôs a descoberto já não pedras mas um fragmento de mosaico e foi a partir daí que se iniciaram as escavações, que se prolongaram até 1973, sendo retomadas em 1978 e 1979. Mais de 30 anos depois, no verão de 2012, o sítio arqueológico de Pisões encerrou “temporariamente” por se ter reformado a única funcionária que ali trabalhava. A imprensa explicou então que a Câmara Municipal de Beja (CMB) e a Direção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA) estavam “a desenvolver esforços no sentido de encontrar pessoas para garantir a sua reabertura”. Em fevereiro do ano seguinte, Pisões voltou a ser notícia. O “Público” informava que “uma família constituída por mãe e filho aceitou o convite” feito pela Câmara de Beja, com a anuência da DRCA e da Universidade de Évora (UE), para “garantir a vigilância e a limpeza da estação arqueológica de Pisões”.

Acrescentava que o acordo estabelecido não contemplava a celebração de contrato de trabalho nem o pagamento de qualquer retribuição pecuniária. A “utilização graciosa” da antiga casa do guarda da estação ferroviária junto à villa de Pisões era “a única compensação” que a família receberia pela tarefa. Os vereadores da oposição criticaram a “solução” e qualificaram- na de recurso “à exploração de mão-de-obra barata”, mas a maioria camarária alegou que não tinha qualquer “responsabilidade direta” em relação à estação arqueológica. E acrescentou que acordara com a DRCA e a UE – proprietária da parcela de terreno – a melhor solução, de modo a continuar a ser um parceiro ativo na salvaguarda do património arqueológico da villa de Pisões. A questão da propriedade do terreno onde se localizam os vestígios, envolta em incertezas, foi clarificada em 2013.

 

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Na altura, a UE revelou que a instituição recebera lotes de terreno da herdade de Almocreva, que tinham sido expropriados no âmbito da Reforma Agrária, em 1974/1975, e lhe tinham sido “cedidos para ensino e demonstração”. Mais tarde, por dívidas associadas aos proprietários originais, a herdade foi penhorada e a UE foi forçada a reclamar, em tribunal, o seu terreno, tendo o juiz mandado retirar da execução da penhora as parcelas antes cedidas à universidade. Este contencioso foi longo. Em finais de 2017, a diretora regional de Cultura do Alentejo, Ana Paula Amendoeira, confirmava que a questão da propriedade do sítio arqueológico esteve “durante vários anos” pendente de definição devido a um diferendo em tribunal, sendo a sua posse reclamada quer pelos anteriores proprietários quer pela UE, à qual tinha sido doado. Indicava que, no final de 2012, a UE informou a DRCA que a situação estava finalmente esclarecida e que a universidade era a efetiva proprietária do sítio. A UE tomou posse da villa em 2013 mas só no início de 2016 recebeu as chaves do recinto e teve acesso pleno ao sítio. Depois deste imbróglio, a universidade, a direção regional e a câmara assinaram, a 24 de agosto de 2017, um protocolo de cooperação para a valorização do património do sítio.

Em dezembro desse ano, o “Diário do Alentejo”, em retrospetiva, lembrava a “nova vida” de Pisões: “Reabriu ao público, no final do mês de setembro, a villa romana de Pisões, situada junto à localidade de Penedo Gordo e a cerca de seis quilómetros da cidade de Beja. O espaço poderá agora ser visitado com e sem marcação prévia. A reabertura surge após a assinatura de um protocolo entre a Direção Regional de Cultura do Alentejo, o município de Beja e a Universidade de Évora, proprietária da herdade da Almocreva, onde se encontra aquele sítio arqueológico”. O acordo, subscrito por estas três instituições, aponta para a concretização do Plano de Ação para a Villa Romana de Pisões, que prevê três eixos – valorização patrimonial e divulgação; formação; e investigação e desenvolvimento. No começo de 2018, Pisões voltou às primeiras páginas da imprensa regional – pelas piores razões. Um olival e um amendoal superintensivos foram plantados na zona envolvente do sítio arqueológico, sem que as entidades da Cultura disso tivessem tido conhecimento prévio.

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