Diário do Alentejo

Litoral: Utentes preocupados com falta de pediatras

17 de novembro 2019 - 02:00

No litoral alentejano, as deficiências na oferta de cuidados pediátricos disponibilizados pelo Serviço Nacional de Saúde preocupam utentes e responsáveis hospitalares. Com o único médico integrado na Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano em idade de reforma, com os concursos para especialistas a ficarem desertos por inexistência de candidatos e com a urgência pediátrica do Hospital do Litoral Alentejano a ser assegurada por médicos indiferenciados, o prognóstico é muito reservado.

 

Texto José Serrano

 

Com o único médico pediatra pertencente aos quadros do Hospital do Litoral Alentejano (HLA), em Santiago do Cacém, prestes a atingir a idade de reforma, existe o receio de, brevemente, a região ficar privada de cuidados de saúde públicos da especialidade de Pediatria, disponibilizados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). Cuidados esses que o hospital, que serve as populações dos concelhos de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém, Sines e Odemira, disponibiliza, com dois pediatras, unicamente no Serviço de Consulta Externa, uma vez que o atendimento da intitulada urgência pediátrica do HLA é assegurado não por pediatras mas sim por médicos indiferenciados, sem formação especializada. 

 

Um facto classificado como “inadmissível” por Dinis Silva, coordenador das Comissões de Utentes do Litoral Alentejano: “Desde há anos, por diversas vezes, vimos a manifestar a nossa indignação relativa a esta situação que, agora, com a iminente reforma do único pediatra do hospital, se complicará ainda mais, com os utentes do HLA a ver aumentada a sua precaridade, no que diz respeito aos cuidados de saúde infantis”.

Uma situação que, por um lado, colide, paradoxalmente, com a “expansão” que se vive atualmente na região “com a atividade do Complexo Industrial e Portuário de Sines a fixar população jovem, o que tem proporcionado, felizmente, o nascimento de muitos bebés e o crescimento de muitas crianças na região”, diz o coordenador.  Por outro lado, uma situação consentânea com o que se passa em todo o Alentejo, a região no País a apresentar o menor número de pediatras, 38, de acordo com dados, referente a 2018, do Relatório Social do Ministério da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde. 

 

Os alertas das Comissões de Utentes do Litoral Alentejano têm vindo, ironiza Dinis Silva, recorrentemente a ser “empurrados com a barriga” pelo conselho de  administração da Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano (Ulsla) e pelo Ministério da Saúde, “que não têm sido capazes de solucionar, de uma vez por todas, esta lacuna, com a contratação de especialistas suficientes para assegurar as necessidades do serviço de Pediatria, nomeadamente, as consultas e a urgência pediátrica que deveria funcionar, eficientemente, durante 24 horas por dia”. 

 

A solução deste problema poderia passar, considera o coordenador, pela reintrodução do Serviço Médico à Periferia, que, de 1975 a 1982, “enviou” para os hospitais distritais do interior jovens médicos acabados de concluir o primeiro ano de internato médico. Até lá, as necessidades de serviços pediátricos continuarão, as que inspiram maiores cuidados, a serem direcionadas a mais de 100 ou 150 quilómetros, para o Hospital de São Bernardo, em Setúbal, ou para o Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. 

 

Para as consultas pediátricas de rotina, “se a consulta externa do HLA ficar sem médico pediatra”, os utentes procurarão, prevê Dinis Silva, “aqueles que ainda conseguem pagar consultas caríssimas, as clínicas privadas, outros terão de deslocar-se a Setúbal, porventura a Beja”, as cidades com serviços hospitalares pediátricos mais próximas. 

 

Luís Matias, presidente do conselho de administração da Ulsla, entidade que neste momento tem inscritos, em idade pediátrica (até aos 18 anos menos um dia), cerca de 15 200 utentes, declara que esta unidade deveria ter, “no mínimo”, cinco pediatras, considerando que não tem internamento de Pediatria. “As necessidades da Ulsla em termos de Pediatria não se resumem aos doentes inscritos, pois a população circulante mais que duplica no verão, com utilização acrescida do serviço de urgência. Por outro lado, os centros de saúde – sem pediatras, porque não é especialidade deste nível de cuidados –, têm consultas de saúde infantil e acompanham as crianças no âmbito da Medicina Geral e Familiar”, expõe Luís Matias. 

 

Devido a este número insuficiente de médicos especialistas, as necessidades pediátricas são colmatadas “dentro da capacidade de resposta possível”. Quando “a patologia excede a capacidade de resposta, ou há necessidade de internamento, os doentes são encaminhados para unidades que possuam resposta adequada”.

 

O presidente da Ulsla diz desconhecer, “objetivamente, as razões sobre a incapacidade de atração de médicos pediatras para a região: “Os concursos têm ficado desertos. Garantimos que não é por falta de esforço, permanente e contínuo, da parte do conselho de administração. Tem havido excelentes condições físicas no HLA para acolher a especialidade, mas não existe disponibilidade de médicos. Sabemos que a nível nacional não há médicos pediatras suficientes, sabemos que a localização territorial da Ulsla não é atrativa para os médicos e que a eventual discriminação positiva remuneratória, que é regulada a nível nacional, não é suficientemente atrativa para atrair profissionais”. 

 

Relativamente à antevisão do futuro da Ulsla, no que diz respeito à capacidade de disponibilização de cuidados pediátricos, Luís Matias diz não poder opinar sobre a questão, por transcender em absoluto a possibilidade de resolução da Ulsla: “Continuaremos a desenvolver todas as ações possíveis para atrair profissionais nesta área, sendo que o êxito desse esforço ultrapassa completamente o poder de decisão desta unidade local de saúde”.

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