Diário do Alentejo

Martim Soares Moreno: O alentejano que fundou o Ceará

06 de novembro 2019 - 00:20

Martim Soares Moreno, o militar português que fundou o Ceará e se distinguiu na resistência contra as ocupações francesas e holandesas no Brasil, será homenageado, a 9 de novembro, em Santiago do Cacém, por vários actos em que estará presente uma destacada comitiva cearense. A agenda das efemérides portuguesas, a que se junta uma conferência em Lisboa, associa-se a um vasto programa evocativo no Brasil. Deste lado do Atlântico, é a ocasião para, graças a novos estudos científicos, reconciliar a memória local com um filho da terra de que se perdera há muito o rasto. 

 

Cumpre-se neste ano o quarto centenário da nomeação do 1.º capitão-mor do Ceará, uma medida do rei D. Filipe II de Portugal (III de Espanha) que constitui a “certidão de nascimento” do que virá a ser, mais tarde, o Estado do Ceará. A escolha do monarca recaiu sobre uma figura conhecida no Brasil, mas que tem passado quase despercebida aos portugueses: Martim Soares Moreno.

 

Quando a efeméride é assinalada em Fortaleza, com um amplo programa evocativo, Santiago do Cacém, terra natal do fundador do Ceará, faz-lhe justiça após séculos de esquecimento. As investigações de José António Falcão, da Academia Portuguesa da História, em arquivos de Portugal, Espanha, França e Holanda têm permitido compreender melhor não só as origens do militar alentejano, mas também a sua extraordinária carreira no Brasil, durante a época filipina.

 

Neste sentido, em Portugal estão programadas actividades em Lisboa e Santiago do Cacém. Dia 7 de Novembro, às 17:00 horas, na Sociedade de Geografia de Lisboa, terá lugar uma conferência sobre a “Jornada do Maranhão”, levada a cabo em 2019 pela Expedição Martim Soares Moreno, que reviveu a epopeia do militar alentejano desde o “Rio Siará” até a ilha de São Luís, no Maranhão, ressaltando a importância desse périplo para a definição dos limites territoriais actuais do Brasil.

 

Em Santiago do Cacém, no dia 9, decorrerão actividades a cargo da Câmara Municipal, do Instituto do Ceará e da Real Sociedade Arqueológica Lusitana, com uma sessão de homenagem a Martim Soares Moreno, nos Paços do Concelho, às 11:00 horas. Segue-se a inauguração, na Praça Conde de Bracial, de uma placa comemorativa do IV Centenário da sua nomeação como capitão-mor do Ceará.

 

Martim Soares Moreno nasceu em Santiago do Cacém, ao redor de 1586, no seio de uma família acomodada. Chegou ao Nordeste do Brasil ainda muito jovem, em 1602, como soldado, empenhando-se na luta pela ocupação do Ceará. Um tio militar, Diogo de Loures Moreno, incentivou-o a seguir a carreira das armas e a aprender a língua e os costumes dos índios. Integrando a expedição do sargento-mor Pêro Coelho de Sousa, em 1603, dirigiu nesse mesmo ano a construção da primeira fortaleza, o forte de Santiago, na margem direita da foz do rio Siará (sobre o qual se erguerá, em 1613, o forte de São Sebastião), e iniciou a colonização da região.

 

Tornou-se, assim, o virtual fundador da futura capitania do Ceará, de que virá a ser capitão-mor, como vimos, em 1619. Muito contribuiu para o sucesso da iniciativa o facto de ter convivido, desde cedo, com os índios locais, ao ponto de ser considerado filho adoptivo de Jacaúna, o grande cacique dos potiguares. Algo que lhe permitiu desenvolver uma profícua acção “diplomática” junto dos índios, criando valiosas alianças para incursões bélicas, nas quais ia nu e com o corpo tingido de jenipapo, de forma a não se distinguir dos locais sob o seu comando.

 

A estratégia de proximidade com as comunidades indígenas revelar-se-ia da maior importância para combater os franceses que ocupavam o Maranhão. Em 1613, Martim Soares Moreno percorreu este território e o vizinho Pará, em missões de reconhecimento, indo parar às Antilhas, de onde viajou para Sevilha. Regressou ao Brasil em 1615, onde tomou parte na campanha de reconquista do Maranhão, assumindo papel decisivo, à frente de um contingente de 900 homens, na expulsão definitiva dos franceses e na captura da cidade de São Luís.

 

No ano seguinte fez nova viagem às Antilhas. O navio em que seguia foi capturado no alto mar por um corsário francês, após violento combate, que o deixou seriamente ferido, com uma cutilada no rosto e uma mão a menos. Reconhecido por familiares dos expulsos do Maranhão como um dos inimigos portugueses, foi preso e levado para Dieppe, onde um tribunal o condenou à morte. Negociações diplomáticas permitiram-lhe ficar livre, após dez meses de cárcere, e voltar à Península Ibérica, onde recebeu a patente de capitão-mor do Ceará, pelo período de dez anos, como se regista em carta régia de 26 de Maio de 1619.

 

Uma vez no Brasil, desempenhava esse cargo quando os Holandeses tomaram Pernambuco (1630). Participou então, à frente de pequenos, mas aguerridos contingentes de índios e soldados do Ceará, na resistência contra os invasores não só em solo pernambucano, mas também na Paraíba e em Cunhaú, na capitania do Rio Grande (1631-1636), e, mais tarde (1645-1648), no esforço militar para a recuperação de Pernambuco. Voltou definitivamente a Portugal, em 1648, onde faleceu em data desconhecida.

 

Lembrando a fraternidade de Martim Soares Moreno com as comunidades indígenas, José de Alencar fê-lo uma das figuras principais do romance Iracema (a índia tabajara dos lábios de mel), publicado em 1865, leitura obrigatória para todos os estudantes brasileiros. Consumava-se, assim, a força do mito.

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