Diário do Alentejo

Campo Arqueológico: O projeto que pôs Mértola no mapa

23 de julho 2019 - 10:15

Texto Augusto Lourido, professor

 

É amplamente reconhecido o valioso trabalho científico, multidisciplinar, levado a cabo pelas equipas do Campo Arqueológico de Mértola, sob a direção do arqueólogo Cláudio Torres. Ao longo de mais de quatro décadas, muito recentemente celebradas, os homens e as mulheres destas equipas conseguiram implementar um extraordinário projeto de recuperação patrimonial não só rigoroso como, igualmente, claramente fundado numa perspetiva séria, de serviço público, bem como de inegável sentido progressista.

 

Associação cultural e científica sem fins lucrativos, o Campo Arqueológico desenvolve uma intensa atividade abraçando, para além, naturalmente, da arqueologia e da história, a herança artística e cultural, bem como a museologia e a antropologia física, sem esquecer a história local e o património histórico, para além das inúmeras publicações de caráter científico, decorrentes da atividade desenvolvida. Indiscutível trabalho plurifacetado que abrange, ainda e não poucas vezes, a colaboração em variadas ações de desenvolvimento local.

 

Oportuno e valioso projeto este, cujo inicial inspirador e apoiante foi o primeiro presidente da democracia na Câmara Municipal de Mértola, o historiador Serrão Martins, cujo entusiasmo e dedicação à sua terra, interesse cultural e empenho cívico, ainda hoje são recordados com saudade e que, seguramente, não deixou de inspirar os decisores autárquicos que se lhe seguiram.  Património e desenvolvimento foram, desde então, a “pedra de toque” que mobilizou outros responsáveis autárquicos e intervenientes culturais, nesses tempos de enorme dedicação cívica, como foi o caso do presidente Paulo Neto, autarca empenhado e diligente, ainda hoje recordado como firme apoiante e constante defensor de todo o projeto.

 

Da vila de Mértola à Vila Museu: 40 anos de cultura e desenvolvimento

A qualidade e a importância vasta e profunda deste projeto cultural diversificado e de desenvolvimento pluridisciplinar pode medir-se pelo orgulho da população do território na apropriação da sua identidade histórico-cultural e comunitária. Aliado a esse sentimento de pertença soma-se o usufruto vivenciado do património local recuperado, graças ao trabalho sério dos investigadores e técnicos das equipas do Campo Arqueológico. Estes têm sabido tornar "presente" a história passada do território e das suas gentes, abrangendo legados ancestrais muito valiosos, onde se incluem os de origem romana, islâmica e cristã. Neste plano, recentemente, uma equipa de trabalho dinamizada pelo arqueólogo Virgílio Lopes, revelou a existência de um conjunto de estatuária monumental do período romano de invulgar significado. São atividades como esta que estão na origem do enorme aumento de visitantes nacionais e estrangeiros, incluindo as inúmeras e frequentes visitas de estudo e de trabalho com estudantes e seus professores. Um dos exemplos maiores dos resultados do trabalho cultural, conjugado e integrado, reside no extraordinário êxito do Festival Islâmico, realizado pela autarquia de Mértola. Acresce a este reconhecimento público geral, as numerosas distinções e prémios oficiais recebidos como, por exemplo, a Medalha de Mérito Cultural atribuída pelo governo português.

 

Projeto científico multidisciplinar: memória e futuro

A produção e edição de trabalhos com caráter científico-académico de elevada qualidade e de total oportunidade, das várias temáticas resultantes das investigações e estudos, desenvolvidos pelos profissionais e especialistas ligados ao Campo Arqueológico, têm tido uma dimensão e procura verdadeiramente invulgares. Estes autores, nomes prestigiados no mundo científico das suas áreas respetivas, e, bem assim, os seus livros têm dado um contributo inestimável para a divulgação do tesouro patrimonial existente em Mértola.  Um dos planos mais importantes da intervenção na comunidade das equipas do projeto geral tem um relevante significado cultural e um determinante alcance estratégico.

 

Compreende dois níveis: a indispensável recuperação do património histórico existente e, bem assim, decorrentemente, a sua posterior conversão museológica e adaptação museográfica. A riqueza deste projeto pode ser medida e está amplamente demonstrada através dos 14 núcleos de "museus de sítio" distribuídos pelo território. Dimensão esta que permite a restituição, tão fiel quanto possível, das memórias mais antigas do território, com interpretações e significados históricos bem precisos.

 

Enquadramento indispensável para a desejada compreensão dos modos de vida e formas de trabalho dos povos que foram habitando este território, revelando a perspetiva da longa história, com as continuidades, transições e mudanças que a marcaram, assim transmitindo este valiosíssimo legado às gerações presentes e futuras.

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