Diário do Alentejo

Diário do Alentejo: Os anos depois da revolução de Abril

03 de junho 2019 - 11:35

Texto Carlos Lopes Pereira

 

Com a Revolução de Abril, o “Diário do Alentejo” assume abertamente uma orientação democrática, condicente com os novos tempos. Mas, menos de um ano depois, a 5 de abril de 1975, Melo Garrido demite-se de diretor, invocando razões de saúde. Durante algumas semanas, o jornal é publicado com uma direção interina formada pelos jornalistas José Moedas, Sousa Tavares e Miguel Patrício, aguardando que a empresa proprietária indicasse um diretor. A 29 de abril, a Carlos Marques – Indústrias Gráficas, SARL nomeia Henriques Pinheiro como diretor.

 

O novo diretor, médico e homem de cultura, promete continuar “as tradições progressistas” do jornal, “dentro de uma óptica independente e regionalista”. Mas, quatro meses depois, a 27 de agosto, apresenta a demissão e a edição de 1 de setembro sai sob responsabilidade da Comissão de Trabalhadores. Por alegadas dificuldades financeiras da empresa, a publicação é suspensa nesse setembro de 1975. Os trabalhadores do “Diário do Alentejo” fazem sair um comunicado em que solicitam “a intervenção do Estado”.

 

O jornal só volta a sair mais de um ano volvido, a partir de 17 de novembro de 1976, de novo com Henriques Pinheiro como diretor. Sol de pouca dura: após a edição de 12 de janeiro de 1977, o jornal, sem aviso prévio, deixa de ser publicado.

 

Reaparece a 16 de fevereiro de 1978, ainda com Henriques Pinheiro como diretor e Francisco Poupinha das Neves, também médico, como subdiretor, ambos nomeados pela empresa proprietária. Mas tanto a direção como a administração não escondem as dificuldades financeiras que o jornal atravessa. Poupinha deixa o cargo de subdiretor logo a 15 de março; Henriques Pinheiro mantém-se como diretor até 5 de maio de 1979, edição em que anuncia a saída por “motivos profissionais”.

 

A empresa proprietária nomeia um dos seus administradores, Casimiro Heitor, como “diretor interino”, a partir da edição de 9 de maio. Isto, no meio de notícias, veiculadas pelo próprio “Diário do Alentejo”, sobre o interesse de Mário Soares em adquirir o jornal e sobre as intenções do Governo da época relativamente a uma intervenção para viabilizar a sua publicação…

 

O jornal sai regularmente até 15 de janeiro de 1980. A 6 de fevereiro, com Casimiro Heitor ainda no leme, publica uma edição onde, em editorial, anuncia que “chegamos ao fim”, “não o fim que desejaríamos mas aquele para que nos arrastaram”. Os jornalistas elaboraram uma nota, cuja publicação o diretor não “considerou oportuna”. A falência foi confirmada num longo comunicado da empresa.

Nesse ano ainda foram publicadas duas edições, sob a direção de Casimiro Heitor, uma em junho e outra em dezembro, para cumprir a legislação sobre a garantia do título.

A 25 de abril de 1981, o “Diário do Alentejo” publica uma edição especial sobre o aniversário da Revolução dos Cravos e também para proteção do título, de acordo com a legislação da altura. O diretor desse número especial é o jornalista José Moedas, que entrara para o jornal em 1956 e desempenhara o cargo de chefe de redação durante alguns anos. Nessa altura, o “Diário do Alentejo” era já propriedade da Associação de Municípios do Distrito de Beja (AMDB), pioneira do associativismo municipal no País e que se formou precisamente para adquirir o jornal bejense.

 

Na verdade, foram autarcas como José Colaço, de Beja, Carlos Goes, de Vidigueira, António Alexandre Raposo, de Aljustrel, e outros democratas, como João Honrado e António Martins, que na altura, face à falência da empresa Carlos Marques – Indústrias Gráficas, SARL, dinamizaram a AMDB e organizaram-se para, em hasta pública, adquirir o título e salvar a tipografia do “Diário do Alentejo”, garantindo a manutenção do emprego aos trabalhadores.

 

Em 2005, a AMDB transformou-se na Associação de Municípios do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral (Ambaal) e, desde 1 de janeiro de 2018, na Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal). A AMDB e, depois, a Ambaal tinham 18 municípios associados, a Cimbal tem 13.

Voltando ao percurso do jornal neste período acidentado: em 19 de outubro de 1981 é publicado outro número, igualmente para garantir o título. José Moedas explica em editorial que aos esforços e ao entusiasmo para fazer ressurgir o “Diário do Alentejo” opunham-se entraves burocráticos e técnicos. E confirmava que as câmaras do distrito, constituídas em associação para o efeito, trabalhavam afincadamente para retomar a publicação desta “voz democrática da imprensa alentejana”.

 

A 27 de fevereiro de 1982 sai mais um número, em que se anuncia para breve o reinício da publicação do “Diário do Alentejo” mas “como bissemanário”. José Moedas defende a edição diária e anuncia o seu afastamento da direção do jornal, assegurando que ficaria à margem do processo – “nunca, porém, na outra margem”. Continuou a escrever no jornal até inícios dos anos Noventa.

 

O número 1 da II Série do “Diário do Alentejo” sai, finalmente, a 25 de abril de 1982, como semanário, dirigido pelo médico Jorge Guedes Campos, de 35 anos, nascido em Moçambique e que trabalhava no hospital de Beja. No seu primeiro editorial, definiu os propósitos do projeto: “Queremos um jornal que defenda o desenvolvimento e progresso da nossa região, servindo de um modo objectivo e sério os interesses económico-sociais do povo alentejano”.

 

A nova vida do “Diário do Alentejo”, como jornal público, propriedade dos municípios baixo-alentejanos, com uma edição semanal, regularíssima, prolongou-se até hoje, com 1936 números publicados em 37 anos. Com diferentes diretores: Jorge Guedes Campos (25 de abril de 1982-21 de junho de 1985); João Paulo Velez (28 de junho de 1985-29 de setembro de 1989); António Alexandre Raposo (6 de outubro de 1989-18 de julho de 1997); Carlos Lopes Pereira (25 de julho de 1997-20 de setembro de 2002); António José Brito (27 de setembro de 2002-16 de dezembro de 2005); Francisco do Ó Pacheco (23 de dezembro de 2005-4 de janeiro de 2008); João Matias (11 de janeiro de 2008-31 de janeiro de 2010; Paulo Barriga (7 de janeiro de 2011-25 de janeiro de 2019), e Luís Godinho, desde 1 de fevereiro de 2019. Todos eles contribuíram com o seu saber, a sua experiência, o seu trabalho, para modernizar e valorizar o “Diário do Alentejo”, alargando e consolidando o seu prestígio.

 

Em 25 de janeiro de 2008, o jornal, com mais páginas e cor, deixou de fazer-se na sua tipografia e passou a ser impresso numa gráfica externa. A velha tipografia do “Diário do Alentejo”, modernizada pela AMDB no início da década de 80 do século passado, fechou pouco tempo depois. Nesta etapa como jornal propriedade dos municípios, com momentos e condições diferenciados, contando para a sua modernização com o apoio de autarcas da região, dos leitores e dos anunciantes, foram os trabalhadores – jornalistas, fotógrafos, gráficos, paginadores, tipógrafos, informáticos, administrativos – os grandes construtores da história do “Diário do Alentejo”.

 

Este seu longo passado não obscurece, antes ilumina e valoriza, o insubstituível papel do “Diário do Alentejo”, hoje e no futuro, como meio público de informação, uma voz democrática em defesa do desenvolvimento regional e do progresso social da região e do País.

 

Sobre a fundação do DA ler o artigo "Os primeiros anos de um jornal anti-situacionista"

 

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