Diário do Alentejo

ACOS não convidou governantes devido ao “descontentamento” do setor

22 de abril 2023 - 13:00
39.ª edição da Ovibeja realiza-se de 27 de abril a 1 de maio com a presença do Presidente da República no sábado, dia 29
Foto | DRFoto | DR

Já falta menos de uma semana para que a Ovibeja abra portas. A 39.ª edição vai decorrer de 27 de abril a 1 de maio, e segue-se a um período particularmente conflituoso entre os agricultores e a tutela governamental. A ACOS – Agricultores do Sul – que organiza o evento – decidiu, de forma inédita, “não convidar formalmente” a ministra da Agricultura para acentuar “o descontentamento generalizado” que paira no setor. Rui Garrido, presidente da ACOS, numa entrevista de balanço, critica também o primeiro-ministro que “não ouve a contestação dos agricultores e teima em manter no Governo uma ministra sem qualquer peso político e sem competência para o lugar”. No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa é esperado no sábado, dia 29.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Depois de vários meses de protesto dos agricultores de Norte a Sul, a 39.ª edição da Ovibeja fica, para já, marcada pela ausência de convites a qualquer membro do Governo por parte da organização.

 

A principal visada pela decisão é a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, que, desde há meses, está sob o fogo do setor. Recorde-se que a recente negociação levada a cargo pelo Governo, com as organizações de agricultores e a grande distribuição, não foram mediadas pelo Ministério da Agricultura, mas, diretamente, pelo gabinete do primeiro-ministro.

 

Rui Garrido, numa entrevista publicada na revista “Ovelha”, da ACOS, explica que “depois de muito ponderar”, tomaram “a decisão de não convidar formalmente a senhora ministra da Agricultura para visitar a Ovibeja, tendo em atenção o descontentamento generalizado dos agricultores, bem patente nas várias manifestações realizadas neste último mês, nas quais a ACOS tem participado ativamente”.

 

Mas o primeiro-ministro também não sai incólume da situação uma vez que “ouve a contestação dos agricultores e teima em manter no governo uma ministra sem qualquer peso político e sem competência para o lugar”, o que tem como resultado não ter sido também convidado.

 

O dirigente da ACOS e da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (Faaba) diz que há “um diferendo de fundo entre os agricultores e o Governo” que se tem “vindo a avolumar de há alguns meses a esta parte”.

 

Um dos mais importantes, refere, é “o desmantelamento do Ministério da Agricultura” e “a integração de alguns serviços nas CCDRs, o que não faz qualquer sentido. Não sabemos se essa ideia vem da ministra da Agricultura ou se se deve à sua falta de peso político e de influência, mas ela é que é a responsável por este ministério e se não concorda com uma medida que eventualmente lhe possa ser imposta, deveria demitir-se. Seria o que eu faria”, conclui.

 

Rui Garrido critica também o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (Pepac) e questiona: “Alguma vez se ouviu falar que um Pepac, acabado de negociar e a ser iniciada a sua implementação, precisar ser já alterado? É a primeira vez que ouvimos isto desde que entrámos para a comunidade [europeia]”.

 

E conclui que esta situação só acontece porque “houve uma pressa tremenda para sermos os primeiros a ter o Pepac pronto em Bruxelas para ser aprovado e agora chegamos à conclusão de que está perfeitamente desajustado. O setor receberá muito menos dinheiro do que recebia anteriormente”.

 

Diz que a legislação obriga os agricultores a cumprirem as mesmas regras do Greenning (Pacto Ecológico Europeu) “sem ter qualquer benefício por isso” e exige uma remodelação urgente daquilo que foi negociado.

 

Também a situação de seca que grassou – e ainda grassa – no Baixo Alentejo é motivo de discórdia entre agricultores e Governo. “Com a seca brutal que tivemos no ano passado, associada a aumentos extraordinários dos fatores de produção, foram muitas as vezes que pedimos uma ajuda direta, sempre sem êxito. Os nossos vizinhos espanhóis tiveram este tipo de ajudas diretas à seca, nós não. Quando falávamos à ministra da Agricultura sobre as ajudas à seca, ela respondia-nos sempre com milhões, que nunca chegámos a ver, e dos quais estamos fartos de ouvir falar”.

 

No entanto, a situação este ano “está a ser muito diferente do ano passado” que foi de “seca extrema já nesta altura, com falta de chuvas no outono, muitas searas não chegaram a nascer, outras nasceram mal, não havia erva, as barragens praticamente não tinham água, o Alqueva também tinha menos água, era um cenário muito diferente”.

 

INFORMAR

Mas a Ovibeja, não é apenas política, é muito mais do que isso. É, como diz o slogan do certame, “Todo o Alentejo Deste Mundo”. Durante cinco dias os visitantes vão deparar-se com algumas mudanças nos espaços e pavilhões, mudanças essas que têm como objetivo ajudar à visita, diz a organização.

 

Como habitualmente, foi eleito um tema central que será debatido em profundidade em conversas, debates e seminários, e que este ano é “Comunicar”, nos seus diversos sentidos.

 

“Muitas vezes queixamo-nos que toda a informação que a ciência e a investigação produzem não chega à agricultura e aos agricultores, que são os seus principais destinatários. Mas para além desse tipo de comunicação, que é importante, e que nós muitas vezes fazemos mal, o tema é mais virado para o exterior, ou seja, queremos que o mundo urbano saiba melhor o que é a agricultura, sem preconceitos. Somos nós que produzimos os alimentos e o mundo urbano tem que deixar de usar os chavões de que os jornais e as televisões estão cheios e que não refletem o que é a agricultura”, aponta Rui Garrido.

 

“É preciso que saibam quais são os riscos que um agricultor corre, a vida habitual dum agricultor, os investimentos que é preciso fazer, sempre ao sabor do tempo que nem sempre corre bem. Basicamente, pretendemos comunicar melhor com o mundo urbano e darmos a perceber o que é a agricultura, a sua sustentabilidade, e também mostrar que são os agricultores os grandes guardiões da natureza e do ambiente. Sem eles não haverá alimentos, nem combate eficaz contra as alterações climáticas”, explica o dirigente da ACOS.

 

IVA ZERO

O tema quente do momento também foi abordado na entrevista, considerando Rui Garrido que, embora “aparentemente possa ser uma boa solução”, a “descida será muito pouco expressiva, uma vez que se trata de apenas seis por cento”.

 

“Só sabemos o que ouvimos: que as grandes cadeias de distribuição têm tido lucros enormes, na casa dos muitos milhões de euros. Por isso, parece-nos que o problema não estará num eventual aumento dos preços junto da produção, mas sim no preço final. Os grandes impactos da guerra na Ucrânia continuam a ser nas matérias-primas, como os fertilizantes, que depois têm impacto no custo dos fatores de produção e no preço de alguns produtos, nomeadamente dos cereais, que está muito mais alto agora do que estava há dois anos atrás”, protesta.

 

PREÇO DA ÁGUA

A intenção anunciada pela ministra de rever o tarifário da água para a agricultura também mereceu reparos do dirigente da ACOS, que participou na última reunião do Conselho de Acompanhamento do Regadio de Alqueva, onde o propósito foi anunciado.

 

Trata-se de “um aumento do preço da água, no caso da baixa pressão, seja para os regantes diretos da EDIA, seja para os regadios confinantes, no valor de 140 por cento, e em alta pressão, entre os 80/85 por cento. Isto será inaceitável, ainda por cima, já em plena campanha de rega. Ainda hoje [início de abril] não sabemos qual vai ser o preço da água. É preciso ter em conta que a viabilidade de muitas das culturas anuais dependerá do preço que vier a ser estabelecido para a água de rega. Estas coisas têm que ser estudadas e definidas atempadamente e não podem ser feitas nas costas dos agricultores, que são os utilizadores da água”, diz Rui Garrido.

 

Comentários