Diário do Alentejo

Municípios reivindicam pagamento dos gastos efetuados no âmbito do combate à pandemia de covid-19

12 de novembro 2022 - 09:30
O Governo diz que não há condições para pagar os 156 milhões de euros despendidos pelos municípios no combate à covid-19.
Foto | José Ferrolho/ArquivoFoto | José Ferrolho/Arquivo

A Associação Nacional de Municípios Portugueses considera, no entanto, que há várias fontes de financiamento a que o Governo pode recorrer e garante que vai continuar a exigir o pagamento das verbas. Em declarações ao “Diário do Alentejo”, o presidente do conselho intermunicipal da Cimbal diz que nunca houve qualquer garantia por parte do Governo de que as despesas seriam devolvidas na totalidade. De acordo com o relatório do Tribunal de Contas, entre março de 2020 e março de 2021, os municípios do distrito de Beja gastaram 4,8 milhões de euros em medidas de combate aos efeitos provocados pela pandemia.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

A ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, disse, recentemente, que o Governo não tem condições de pagar os 156 milhões de euros reivindicados pelos municípios como despesa de combate à covid-19. Contrariamente ao que era esperado pelas autarquias, a verba não consta do Orçamento do Estado para 2023.

 

“A única abertura que temos, e já transmitimos, foi no âmbito daquele que é o apoio do Fundo de Solidariedade da União Europeia [que representa um total de 60 milhões]”, disse, numa entrevista à “Lusa”.

 

Ainda em declarações à mesma agência, a ministra da Coesão Territorial explicou que foram abertos concursos para a verba disponível de 60 milhões de euros e que, destes, foram já atribuídos cerca de 40 milhões de euros, pelo que “a margem do Governo estará em perceber como é que pode ainda transferir cerca de 20 milhões de euros”.

 

Já a presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Luísa Salgueiro, afirmou que “há várias fontes de financiamento a que o Governo pode recorrer para poder suportar esta verba, ainda que possa não ser na totalidade”, e diz que a ANMP vai “continuar a negociar com o Governo dado que, se não for por esta via – uma vez que o Governo não pode pagar através do fundo –, que seja por outra, não nos compete a nós encontrar qual a fonte de financiamento”.

 

De acordo com o relatório do Tribunal de Contas sobre o “Impacto das medidas adotadas no âmbito da covid-19 nas entidades da administração local do continente”, entre março de 2020 e março de 2021, os municípios do distrito de Beja gastaram 4,8 milhões de euros.

 

A este montante há que acrescentar as despesas realizadas desde abril de 2021, uma vez que as autarquias ainda mantêm algumas das medidas adotadas no âmbito do combate à pandemia, nomeadamente, apoios a instituições particulares de solidariedade social e aquisição de material de higiene e proteção.

 

O presidente do conselho intermunicipal da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal) e membro do conselho geral da ANMP, apesar de defender o ponto de vista dos municípios, “porque surgem despesas todos os dias”, diz entender as declarações da ministra, uma vez que nunca houve qualquer garantia de que o Governo iria pagar a totalidade das despesas efetuadas pelas câmaras.

 

“Havia programas do Governo em ação [no âmbito do combate à covid] e os municípios tomaram as rédeas da situação, e bem. Os municípios do Baixo Alentejo fizeram tudo o que estava ao seu alcance para encontrar soluções. No entanto, nunca pediram autorização ao Governo quanto ao valor a gastar ou sobre os limites, isso esteve sempre ao nosso cuidado”, diz o também presidente da Câmara Municipal de Almodôvar.

 

O autarca acrescenta que, “entretanto, o Governo abriu um programa de apoio para o pagamento de despesas com a pandemia, com um limite máximo, e a maior parte dos municípios que se candidataram já receberem”.

 

No caso do município que lidera foi gasto “mais de um milhão de euros”, mas a autarquia “candidatou 160 mil euros e foi o que recebeu”, diz. “Gastámos mais de um milhão de euros, mas é claro que nunca candidataríamos essa verba, porque não tínhamos qualquer directriz que nos dissesse que o Governo iria pagar esse valor.

 

O Governo nunca disse, que eu tenha conhecimento, ‘gastem que nós pagamos’. Aquilo que foi dito é que até um x iria apoiar e esse valor está a ser pago. Quanto ao restante, como não houve autorização de despesa, um compromisso entre as partes, percebo perfeitamente que não exista essa possibilidade”.

 

António Bota frisa, no entanto, que “gostaria, naturalmente, que os municípios fossem ressarcidos” do valor total, até porque esse montante “poderia ser reaplicado” pelas autarquias.

 

Mas realça que, devido às restrições impostas pela pandemia, os municípios acabaram por “poupar dinheiro, nomeadamente, em festas, na cultura, noutros programas que tiveram de suspender”, e foi com esse dinheiro que “fizemos o reforço para a pandemia”.

 

“QUALQUER RETORNO, TOTAL OU PARCIAL, SERÁ BEM-VINDO" 

“Fazemos aquilo que nos é possível, disponibilizando os nossos esforços e os nossos meios para resolver os problemas das populações, mas, depois, quando chega o momento de o Governo, de alguma forma, nos ressarcir, de nos compensar pelo esforço feito, há sempre dificuldades. Já é habitual. O que é certo é que nós estivemos na linha da frente. As autarquias, independentemente de cores políticas, foram extremamente importantes no combate à pandemia, na criação de condições para proteger as pessoas”, diz, por sua vez, o presidente da Câmara Municipal de Serpa.

 

A autarquia gastou, entre março de 2020 e março de 2021, 349 594 euros e recebeu até ao momento, segundo João Efigénio Palma, 90 mil euros.

 

O autarca sublinha que a verba despendida pela câmara com o combate à covid-19 “é uma verba importante” e que “faz falta para muitas outras coisas, para trabalharmos para o bem-estar dos nossos munícipes”.

 

“Ressarcir estas despesas incorridas ia-nos também facilitar o apoio às famílias neste momento de crise que todos estamos a atravessar, e até para funcionamento da própria autarquia, tendo em conta o aumento dos custos dos combustíveis, de energia, entre outros, portanto, estes valores são sempre bem-vindo”, acrescenta.

 

João Efigénio Palma frisa que o Governo deve “criar as condições para ressarcir os municípios do esforço que eles fizeram num combate, numa competência que era do poder central, porque a saúde é do poder central, sem, obviamente, pôr em causa a nossa obrigação de solidariedade para com as pessoas e com as instituições”.

 

No âmbito das medidas de combate à pandemia de covid-19 adotadas, a Câmara de Serpa continua a manter o apoio às instituições particulares de solidariedade social, “financiando em 50 por cento todas as despesas incorridas” com material de higiene e proteção.

 

Ao contrário de Serpa e de Almodôvar, a Câmara Municipal de Beja ainda não recebeu qualquer comparticipação pelas despesas efetuadas desde o início da pandemia. Entre março de 2020 e março de 2021, a autarquia gastou 546 305 euros. De abril de 2021 até setembro último foram despendidos mais 114 107 euros.

 

O presidente da Câmara de Beja diz que o município “efetuou essas despesas devido às circunstâncias específicas que o momento exigia” e que não lhes ocorreu “que pudessem ou não ser posteriormente reembolsadas”.

 

“Os equipamentos de proteção individual (EPI) tiveram de ser adquiridos, os testes tiveram de ser feitos, os apoios extraordinários às instituições tiveram de existir, sob pena de consequências mais graves para cada uma delas. Tentámos garantir que as condições de segurança implementadas pela Direção-Geral de Saúde fossem observadas e cumpridas”, afirma Paulo Arsénio.

 

De acordo com o autarca, as despesas com a covid-19 “tiveram um impacto pontual que está ultrapassado, mas em que qualquer retorno, total ou parcial, será bem-vindo ainda mais numa altura de generalizada subida de preços”.

 

Importante, sublinha, “seria que se ultrapassassem questões estruturais que, essas, sim, ano após ano, colocam em grandes dificuldades os municípios, nomeadamente, o de Beja, como sejam os pagamentos da ADSE, que a câmara faz sem que tenha a receita da quotização dos associados, e que tem um impacto anual na ordem dos 350 000 euros/ano, ou a taxa de gestão de resíduos (TGR) que tem, igualmente, um impacto anual negativo de cerca de 300 000 euros nas contas da autarquia. Um ano sem estas despesas e estaria ultrapassado o valor despendido entre 2020 e 2021 com o combate à covid-19”.

 

Paulo Arsénio considera que caberá ao Governo “encontrar os mecanismos e os instrumentos financeiros que possam compensar, pelo menos parcialmente, as despesas suportadas pelos municípios com a pandemia”.

 

Atualmente, a câmara municipal ainda mantém despesas com a aquisição de EPI e de álcool gel, “mas em muito menor número do que entre março de 2020 e março de 2022”, diz o autarca.

 

FREGUESIAS AINDA NÃO RECEBERAM QUALQUER APOIO 

No caso das juntas de freguesias, que ainda não receberam qualquer apoio, as despesas relacionadas com a pandemia de covid-19 somavam, a nível nacional, de março de 2020 a agosto deste ano, cerca de cinco milhões de euros.

 

Segundo o secretário de Estado da Administração Local, Carlos Miguel, citado na semana passada pela “Lusa”, o Governo está a encontrar uma fórmula, no âmbito da Direcção-Geral das Autarquias Locais (DGAL), para apresentar à Associação Nacional de Freguesias (Anafre).

 

A DGAL beneficia, através do Orçamento do Estado, de verbas para contratos-programa de cooperação técnica e financeira com as autarquias, no valor de seis milhões de euros, e poderá ser a partir desta verba que será adaptada uma solução para as freguesias.

 

Sem um valor exato do total das despesas relativas às juntas de freguesia do distrito de Beja, o coordenador distrital da Anafe sublinha que as autarquias continuam a reportar mensalmente despesas no âmbito da covid-19.“Não recebemos ainda qualquer verba, apesar de continuarmos, todos os meses, a enviar reportes com os valores gastos com a pandemia”, diz Vítor Besugo.

 

“Continuamos, por exemplo, a transportar os utentes para a vacinação nos centros de saúde, e isso entra nas contas das juntas. O preço do gasóleo está muito elevado e são as juntas de freguesia que estão a substituir o Estado no transporte de utentes, tanto à vacinação, como à testagem numa primeira fase”, acrescenta o também presidente da Junta de Freguesia de Beringel (Beja), adiantando que a estas despesas juntam-se “os gastos com a aquisição de material de higiene e segurança”.

 

“Já passaram mais de dois anos [desde o início da pandemia] e não sabemos como é que vão ser ressarcidas as despesas que tivemos com a covid”, lamenta o coordenador da delegação distrital de Beja da Anafre, salientando, contudo, que “não vai ser por falta desse pagamento que as juntas de freguesia que têm condições para isso vão deixar de dar esse apoio às populações, porque são o último organismo a que estas podem recorrer”.

 

“As juntas de freguesia foram as primeiras a dar resposta às populações, pela nossa proximidade, desde logo com a aquisição de materiais de desinfecção e proteção. Depois substituímos o Estado em muitas coisas. Por exemplo, no decorrer do ensino à distância, muitas juntas facultaram fotocópias e computadores aos alunos. Continuam a assumir o transporte dos utentes para a vacinação. Houve dinheiro gasto e agora gostaríamos de ver alguma dessa verba devolvida às juntas de freguesia”, reforça o autarca, sublinhando que, face aos “tempos complicados que vivemos, com o aumento dos salários dos trabalhadores, com o aumento do preço do gasóleo, entre outros, esse dinheiro faz falta às freguesias, que são as entidades que menos recebem e que têm mais dificuldades no dia-a-dia”.

 

“Estes atrasos vão causar-nos alguns problemas”, conclui.

 

NUM ANO FORAM GASTOS 4,8 MILHÕES DE EUROS NO COMBATE À PANDEMIA 

Segundo o relatório do Tribunal de Contas sobre o “Impacto das medidas adotadas no âmbito da covid-19 nas entidades da administração local do continente”, as câmaras do distrito de Beja gastaram 4,8 milhões de euros entre março de 2020 e março de 2021.

 

No mesmo documento é referido que, nesse período, os municípios, “por ajuste direto, celebraram contratos, de valor avultado, para aquisição de bens e serviços, atribuíram apoios financeiros diretamente a empresas, famílias, instituições de cariz social e associações de diversa índole, reconheceram o direito de isenção de tributos próprios a diversos destinatários, entre outras medidas”.

 

O relatório indica que, entre março de 2020 e março de 2021, Odemira foi o município do distrito que registou o maior valor de despesas (1 352 730), seguido de Almodôvar (836 803 euros), Beja (546 305 euros), Ourique (464 588 euros), Serpa (349 594 euros), Vidigueira (289 230 euros) e Mértola (272 770 euros).

 

Os restantes municípios do distrito gastaram entre 70 e 100 mil euros. Analisando a despesa per capita, o município de Almodôvar encabeçava a lista, com 124,4 euros. Ourique surgia em 2.º lugar (100,8 euros), Barrancos em 3.º (82,4 euros) e Odemira em 4.º (54,7 euros).

 

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