Diário do Alentejo

Beja (ainda) sem Estratégia Local de Habitação

09 de setembro 2021 - 14:00

A votação da Estratégia Local de Habitação de Beja constava da ordem de trabalhos da Assembleia Municipal que se realizou na passada segunda-feira, dia 30, mas um requerimento do Bloco de Esquerda e do representante do Movimento Por São Matias Com Todos, no sentido de adiar a discussão do documento, teve o apoio dos eleitos da CDU e, assim, só a 13 de setembro a questão será decidida.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

A Estratégia Local de Habitação foi aprovada pelo executivo da Câmara Municipal de Beja na última reunião com a abstenção dos vereadores da CDU. No entanto, os comunistas, na Assembleia Municipal, mudaram o sentido de voto de forma “a permitir que os restantes partidos possam debater e estudar” a proposta, explicou João Dias, do PCP.

 

O documento em questão faz o retrato da situação habitacional do concelho e aponta as necessidades e o caminho para as superar e contou, para além do município, com a participação da Santa Casa da Misericórdia de Beja (SCMB). Está previsto um investimento de cerca 30 milhões de euros, segundo aquilo que foi negociado com o Instituto de Habitação e Recuperação Urbana (IHRU), financiados a 40 por cento (o pior cenário), mas que pode, segundo o PS, chegar aos 100 por cento.

 

A intenção é a de recuperar 162 frações de habitação social municipal, construir 84 novos fogos para arrendamento em regimes de renda apoiada e acessível, recuperar 60 fogos no centro histórico e nas freguesias rurais para arrendamento e reabilitar 22 habitações próprias de famílias em situação vulnerável já identificadas pela autarquia. Pelo lado da SCMB o objetivo é recuperar e reabilitar de 27 habitações e, eventualmente, construir de raiz mais 40.

 

O documento constata que se assistiu a uma “interrupção do ciclo expansivo que caracterizou a evolução do parque habitacional do concelho nas últimas décadas, refletindo um comportamento extensível à generalidade do país e que pode ser genericamente entendido como um efeito direto da crise económica e financeira despoletada em 2008”.

 

No entanto “não há evidência que a mesma seja geradora de constrangimentos quantitativos no acesso à habitação”, uma vez que existe no concelho um número de alojamentos “sem utilização residencial efetiva que aparenta ter dimensão suficiente e possuir (ou poder vir a possuir) condições para responder de forma eficaz e eficiente às principais dinâmicas de procura, potenciando também uma aposta mais expressiva na reabilitação do existente em detrimento da construção nova”.

 

Acresce que a diminuição populacional – comprovada no último Censos – “embora com expressão territorial assimétrica e não necessariamente traduzível sob a forma de uma redução linear da procura de habitação, parece constituir-se como uma tendência de difícil reversão”.

 

Assinala-se ainda “a fraca expressão e reduzido desenvolvimento de modalidades alternativas de acesso à habitação, designadamente ao nível do arrendamento” que, em Beja, é “francamente inferior face à realidade média nacional e, mesmo assim, parcialmente empolada pelo maior peso relativo que a habitação social, disponibilizada em regime de arrendamento, assume a nível local”.

 

Perante este contexto, e “apesar de se reconhecer a existência de uma margem de crescimento significativa” para este tipo de acesso à habitação”, o estudo considera que “a sua materialização dependente da ativação de estímulos que ampliem a sua atratividade quer do lado da oferta, quer do lado da procura, designadamente através da mobilização conjugada de diversos instrumentos de política pública nacional e municipal”, como é o caso dos programas de Renda Acessível ou 1.º Direito.

 

Apesar de, no executivo, a CDU ter viabilizado a ELH, o vereador e candidato à presidência do município Vítor Picado mostra-se crítico do processo: “Achamos que um documento desta natureza deveria ter sido altamente trabalhado por todos os grupos políticos, porque grande parte do ónus irá recair sobre o próximo executivo municipal”.

 

A opção por determinadas “ponderações e pressupostos” que estão na base do documento são “passíveis de poder condicionar o conjunto dos elementos”, diz o vereador da CDU que defende um “quadro de avaliação muito mais abrangente” o que permitiria “um diagnóstico mais ajustado às condições de base que fundamenta a procura de habitação”, concluindo que as opções estratégicas da CDU “seriam diferentes”.

 

No entanto, a viabilização do documento justifica-se, para a CDU, para, “de alguma forma, a Câmara de Beja conseguir cativar a verba necessária”, já que “notícias recentes apontam para que os fundos destinados para o efeito já estão esgotados”. Vítor Picado diz, ainda, que “o documento devia ter sido lançado há muito mais tempo” e critica o executivo do PS por “se ter fechado na sua bolha”, anunciando que “se a CDU ganhar as eleições autárquicas irá ajustar o documento à realidade, em conjunto com a SCMB”.

 

João Paulo Ramoa, antes da reunião da Assembleia Municipal, apelou a que “as forças políticas se coordenassem para atenderem ao superior interesse do concelho”. O provedor da SCMB mostra-se “satisfeito” com o documento uma vez que “todas as propostas apresentadas foram aceites”, explicando que a “pressa” na aprovação da ELH se prende com “a ausência de uma estratégia nacional” e ao facto de “quando a verba acabar acabou. Neste momento já está em ‘overbooking’”, avisa.

 

VOTAÇÃO ADIADA

Já se referiu que a discussão e votação da ELH estavam previstas para a passada segunda-feira, estando a sua aprovação garantida com a abstenção da CDU. No entanto, os dois representantes do Bloco de Esquerda e do Movimento Por São Matias Com Todos, respetivamente, Gina Mateus e Leonel Rato, considerando que o tema não se revestia de “especial urgência” e que, “pelo contrário”, era matéria que precisava “de análise e reflexão aprofundada” e em vésperas de uma nova eleição, propuseram o adiamento da decisão, alegando que as reuniões prometidas pelo executivo para “apresentação e esclarecimento da proposta” junto de todos os partidos nunca tinham acontecido. 

 

Os proponentes do adiamento disseram ainda que a Lei de Bases da Habitação estabelece que as autarquias locais devem promover “a participação ativa dos cidadãos e das suas organizações na conceção, execução e avaliação dos programas públicos de habitação”, o que não aconteceu.

 

A CDU, que na reunião do executivo se tinha abstido, foi sensível aos argumentos apresentados pelo BE e optou por votar favoravelmente o requerimento inviabilizando, para já, a aprovação da ELH.

 

João Dias, eleito pela CDU na Assembleia Municipal de Beja, reconhece que o documento já foi “validado pelo IHRU” e que o adiamento nada irá alterar e diz que o PS, na reunião da Assembleia Municipal, reconheceu “carências e insuficiências” na elaboração do documento e recusa ser a CDU responsável pelo atraso na aprovação, acusando os socialistas de terem estado a “dormir na forma” e de serem de “uma incompetência atroz”.

 

Também a representante do PSD, Fernanda Pereira, alinhou com a proposta de adiamento uma vez que “não houve discussão pública”. No entanto, diz que reabrir o processo seria “inócuo e dispensável”. “O processo não foi especialmente bem conduzido, mas, em rigor, não se vai ganhar muita coisa” se se volta à estaca zero e corre-se o risco de adiar “de forma irrecuperável” a decisão e protelar o processo para lá de 2026, data estabelecida para a sua conclusão.

 

O “Diário do Alentejo” tentou, reiteradamente, falar com Paulo Arsénio, mas o seu gabinete informou que o presidente da Câmara Municipal de Beja apenas falaria sobre a ELH após a sua aprovação.

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