Diário do Alentejo

Barrancos: Reabertura de fronteira “sabe a pouco”

19 de junho 2020 - 12:10

O Governo decidiu reabrir algumas das fronteiras fechadas desde março. Mas com muitas limitações. É o caso de Barrancos. A população e a autarquia acham que “esta abertura” não lhes serve.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Quando, em meados de março, o ministro da Administração Interna anunciou ao País o fecho das fronteiras terrestres com Espanha, a ligação entre Barrancos e Encinasola foi uma delas. Na altura, Eduardo Cabrita informou que apenas em nove pontos do território nacional - Vila Verde de Ficalho é uma delas - as ligações se manteriam, no entanto, sujeitas a ações de controlo e onde só seria autorizada a circulação de veículos de mercadorias e de cidadãos nacionais ou residentes em Portugal, pessoal do corpo diplomático e casos que contemplassem a reunião de famílias.

 

Os trabalhadores portugueses a trabalhar em Espanha e os espanhóis a laborar em Portugal também podiam passar de um lado para o outro. Esta semana, o primeiro-ministro António Costa reafirmou que não havia “pressa” na reabertura total das ligações terrestres a Espanha, mas, num despacho conjunto dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros (MNE) e da Administração Interna (MAI), foi autorizada a abertura noutros pontos da raia. Ainda assim, por curtos períodos horários e, em alguns casos, apenas alguns dias da semana.

É o caso de Barrancos em que, agora, é permitida a passagem às segundas e quintas-feiras, entre a 6:00 e as 8:00 horas, de manhã, e entre as 17:00 e as 19:00 horas.

“Este tipo de abertura não nos serve”, diz João Serranito Nunes, presidente da Câmara Municipal de Barrancos. O autarca já fez saber ao Governo que não concorda com a situação, quer numa exposição por escrito para o MNE e para o MAI, quer de viva voz ao secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, Jorge Seguro Sanches, que também é coordenador da execução do estado de calamidade da covid-19 no Alentejo.

 

“Temos um conjunto de pessoas no concelho que semanalmente percorrem 1500 quilómetros para irem trabalhar”, cerca de 15 vezes mais do que faziam anteriormente, acrescenta o autarca, calculando que as restrições afetam cerca de 25 famílias, “o que é muito significativo dada a escassez de trabalho” neste lado da fronteira.

 

“Não vejo jeito nenhum em isto abrir só à segunda e quinta-feira”, diz Carlos Oliveira, um dos barranquenhos que trabalha em Encinasola e que considera a situação uma “brincadeira”, tanto mais que em Marvão a fronteira está aberta todos os dias, apesar de ter o mesmo horário. Trabalhador do setor agrícola, antes do fecho das fronteiras Carlos Oliveira percorria 17 quilómetros de casa ao local de trabalho; agora são 126. “Tenho de me levantar mais cedo, as estradas são piores, demoro uma hora e meia, pelo menos, no trajeto. Ando cansado e psicologicamente afetado”, lamenta.

Manuel Pires, que em conjunto com a mulher gere o bar da Artística, também tem ovelhas no outro lado da fronteira. Comprou os animais pouco antes de rebentar a crise da covid-19 e, neste momento, vê-se “com uma série de despesas às costas”, resultantes da multiplicação de quilómetros que tem de fazer para dar assistência ao rebanho. “É o desgaste da viatura, o gasóleo e os pneus. Recentemente foram 600 euros para quatro pneus”, contabiliza Manuel Pires, que considera os horários de reabertura da fronteira, agora decididos, incompatíveis com o trabalho no campo.

 

João Carlos Durão já está reformado e vive do lado de lá da fronteira. “Há mais de três meses que não vejo os meus pais e as minhas filhas”, lamenta. Para ele, a situação é ainda mais complicada porque vive na Extremadura e “a mobilidade em Espanha ainda está reduzida. Não posso sair de onde estou”. O governo espanhol já avançou com a data de 21 de junho para a abertura das fronteiras, mas, na opinião do português, “pode ser um perigo”. Apesar de viver numa região “onde não tem havido contágio nenhum”, na Extremadura espanhola o número de casos de covid-19 ascende a cerca de três mil, já tendo morrido mais de 500 pessoas.

 

Partidos pronunciam-se no parlamento

Pedro do Carmo, deputado do PS e presidente da Comissão Parlamentar da Agricultura e Mar, diz que “o encerramento da fronteira de Barrancos é prejudicial para um número significativo de trabalhadores e de agentes económicos com investimentos no lado espanhol”. O deputado socialista informou que tem havido contactos com Espanha, com vista a permitir “uma situação de exceção”, mesmo que seja noutros moldes.

 

O PCP, pela voz de João Dias, deputado eleito pelo distrito de Beja, questionou o Ministério da Administração Interna e “exige para Barrancos tratamento igual” ao que foi feito em Mourão. O deputado comunista diz compreender “a necessidade do fecho das fronteiras por questões sanitárias”, mas ressalva que Barrancos é um concelho “que já tinha dificuldades de isolamento e acessibilidades, com uma economia débil e que estabeleceu laços económicos e sociais com Encinasola”, o que o leva a acompanhar “as preocupações das populações” locais.

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