Diário do Alentejo

Crónica de Vergílio Gomes: Azeitonas pretas

18 de março 2020 - 18:44

Há uns tempos que ando para escrever sobre este produto que não faz as minhas delícias gustativas. Gostaria de escrever o que uma amiga minha escreveu em 2012 e cuja crónica começava assim: “São bonitinhas, mas sem gracinha nenhuma...”. Pois, eu penso igual ou ainda pior. Desaconselho até a sua utilização nas confeções culinárias mesmo que seja só para decoração. Para mim, azeitona tem de saber a azeitona, e até deixar gosto a azeite. Claro que temos azeitonas verdes e outras mais escuras de sabor natural. Da cultura popular temos uma adivinha: “Verde foi meu nascimento/ e de luto me vesti/ para dar luz ao mundo/ mil tormentos padeci”. Mas as expressões populares associadas ao olival, às azeitonas e ao azeite são de grande dimensão.

Esta adivinha leva-nos a pensar que a azeitona, de luto e, portanto, de preto vestida, seria um processo natural. Sabemos que a azeitona nasce verde e pode escurecer. Se chega a preta na árvore fica mole e quase imprópria para fazer bom azeite. Neste capítulo temos uma azeitona especial, azeitona de conserva Negrinha de Freixo (DOP), de pequena dimensão que vai de cor verde-amarelado a negro-violáceo, luzidia. Consoante o tratamento apresenta-se como: azeitona tipo verde, azeitona negra tratada e azeitona madura em salmoura. Esta azeitona é produzida nos concelhos de Vila Nova de Foz Coa, Freixo de Espada à Cinta, Torre de Moncorvo, Alfandega da Fé, Vila Flor, Mirandela e Macedo de Cavaleiros. Mas voltemos às azeitonas pretas que nos apresentam em muitos locais, bem negras e a brilhar. As azeitonas são submetidas a um tratamento que lhes garante cor preta, mas que também lhe retira o sabor a azeitona. Para entender o processo transcrevo o texto da minha amiga Paulina Mata, entendida no assunto: “Para as ditas azeitonas pintadas, elas são colhidas verdes, são tratadas com hidróxido de sódio até que este atinja o caroço (as azeitonas verdes também são para perderem o amargor, mas não penetra até ao caroço) e são oxidadas fazendo borbulhar ar comprimido.

Depois são bem lavadas para remover o hidróxido de sódio. A cor obtida, porém, não é estável, e com o tempo começaria a ficar menos bonita, é então necessário fixá-la com gluconato ferroso e lactato ferroso. São colocadas em salmoura, mas como não são suficientemente ácidas, é necessário esterilizá-las. O processo é rápido e simples, mas a textura bem diferente e, sobretudo, falta-lhes sabor característico de uma azeitona preta, que lhe é conferido pelo processo de fermentação”. Pois é! Aprendamos a reconhecer as azeitonas pretas naturais, e saberão a azeitona, como as Negrinhas de Freixo. Segundo António Manuel Monteiro, no seu livro Palavras do Olival, 2008, a Negrinha de Freixo quando utilizada para azeite, principalmente, em Moncorvo e Mogadouro, porque no lagar “borrava” muito – é a única variedade local de uso quase exclusivo para conserva... Não aprecio as pretas pintadas e muitas vezes até deixam uma tinta que escurece os alimentos sobre os quais é vulgarmente colocada. Nunca percebi esta moda. Será que os consumidores não gostam do sabor de azeitona? E com o crescimento de alimentos processados com produtos que não conhecemos, nem estão identificados, por que não fazer guerra às azeitonas pintadas? As azeitonas pintadas encontram-se no mercado sob a designação de “azeitonas oxidadas”.

Texto: Virgílio Nogueiro Gomes, GastrónomoFoto: José Ferrolho

Comentários