Diário do Alentejo

“É preciso haver uma mentalidade aberta para aceitar um pouco de tudo o que os alentejanos têm para oferecer”

17 de janeiro 2024 - 08:00
Foto | D.R.

Texto | Luís Miguel Ricardo

 

É natural de Beja, mas reside em Castro Verde, tem 32 anos e é licenciado em Educação e Comunicação Multimédia, pelo instituto politécnico da sua cidade natal. Uma formação académica à qual atribui a responsabilidade de lhe ter aberto as portas a um estágio em Paço de Arcos, numa empresa sediada no Grupo Impresa. Um estágio que lhe abriu horizontes e consolidou as competências e convicções profissionais, tornando-se freelancer e, mais tarde, repórter de imagem no programa “Boa Cama Boa Mesa”, da “SIC”, trabalhando de perto com o jornalista Martim Cabral e sob a direção de Ricardo Costa. Atualmente, e de volta à casa de partida, desenvolve a sua atividade de audiovisual na agência de design e marketing Glud, sediada em Beja, e dedica parte significativa do seu tempo ao mundo da música, sendo cantor, guitarrista e compositor.

 

E é nesta valência de vida que já se envolveu em vários projetos artísticos, com destaque para os Route N2, uma banda de covers de rock dos anos 60, 70 e 80, da qual resulta também uma adaptação para duo musical em acústico, designado Route N2 Unplugged, que se adequa, segundo o próprio, a espaços mais pequenos ou locais de restauração. O outro trabalho a destacar chama-se “Remember Me” e é um espetáculo constituído por medleys dos anos 80 e 90, abrangendo vários estilos musicais dessas duas décadas, e no qual é um dos três cantores que dá voz ao projeto. Eis Pedro Abreu na primeira pessoa!

 

Quando e como o gosto pela música começou a ganhar protagonismo?

Posso dizer que o gosto começou desde criança, graças ao meu pai, José Abreu, que integrou os grupos Moços D’uma Cana e Cantares do Campo Branco. Ao ouvi-lo a tocar e a cantar a solo ou em grupo foi despertando esse bichinho musical em mim, que só começou a desenvolver-se, muito timidamente, depois dos 22 anos. E o facto de ele ter, em casa, vários discos de bandas dos anos 60, 70 e 80 ajudou a que os meus gostos se encaminhassem para o rock.

 Quais as suas referências musicais?

Em termos melódicos, sem dúvida que as referências vêm dos anos 60 e 70, nomeadamente, Beatles, Pink Floyd, Led Zeppelin e The Doors. No que toca às letras das músicas, sem dúvida o Manel Cruz, dos Ornatos Violeta, pois considero que ele eleva a língua portuguesa a outro nível.

  Como surge o repertório nos seus projetos musicais? Mais originais ou mais covers? 

Tenho os dois lados da moeda. Apesar de os trabalhos de covers estarem mais presentes, também tenho originais já produzidas e outras em fase de produção. No que toca a covers, estes surgem de uma conversa, uma ideia ou de algum propósito entre os artistas envolvidos. O principal foco é o entretenimento e dar um pouco de nós às pessoas. Na parte da composição, quando escrevo não é com o propósito de impressionar ou fazer canções banais para vender e deslumbrar quem ouve. Se o fizesse, não estaria a ser verdadeiro comigo próprio. O propósito das minhas composições é apelar para que o individualismo ou a genuinidade sejam mais presentes e para que não tenhamos receio de ser nós próprios. Preocupa-me imenso as pessoas olharem para as tendências e dizerem “é assim que tem de ser” ou “se queres ser músico, tens de fazer a, b, c…”. Se todos vão por esse caminho, então entramos numa espiral mecânica, sem a parte mais importante que a música tem, que é a verdade, que é mostrar o que realmente somos. 

 

“Lado A”. Que trabalho foi este e que importância teve no seu trajeto musical?

“Lado A” foi o primeiro exercício dentro de uma seleção de músicas compostas por mim. Este EP mostra uma vontade de afirmação, alguma desinquietação e, sobretudo, alguma aceitação, tendo em conta o que me rodeia. Infelizmente, com o trabalho que tinha no Grupo Impresa, na altura em que o EP foi lançado, não consegui ter tempo para selecionar músicos para ensaiar e divulgar o projeto. Ainda assim, e para a pouquíssima divulgação que foi feita, acabou por ser muito gratificante as mensagens de apoio e comentários que recebi a dizerem coisas do género: “Para rock português, está muito bom”.

 

Route N2. Dê-nos a conhecer este projeto.

Este é um grupo que formei juntamente com o guitarrista Manuel Ferraz e com o teclista Gabriel Costa. Mais tarde, juntou-se ao grupo o João Nunes, no baixo, o José Barbio, na bateria, e o João Baroa, como técnico de som. Foi o primeiro projeto em que, de uma forma mais séria, comecei a ser visto como frontman e isso deixou-me entusiasmado. Pessoalmente, é o meu projeto de eleição, não só pela seleção de músicas que temos, como The Police, Beatles, Doors, Phill Collins, não só pelo facto de os meus colegas de banda serem todos excelentes músicos, mas também por haver uma relação de empatia muito forte entre todos. Onde quer que seja o nosso concerto há sempre momentos de loucura onde alguém faz alguma coisa inesperada. Recordo-me, por exemplo, numa ocasião em que o Gabriel se levantou do banco do teclado para cantar uma música no meu microfone e, nessa mesma música, havia um solo de teclas. Como é que ele vai chegar a tempo ao teclado para fazer o solo, depois de cantar? – pensei eu. E eis que o Gabriel nos surpreendeu a todos, virando-se para o teclado e começando a fazer o solo ao contrário. Olhámos uns para os outros, pasmados, olhámos para o público e estava tudo a vibrar. Foi uma risada geral! Terminamos cada concerto parecendo que saímos de uma sessão de terapia onde falamos entre nós de uma forma muito particular e, o mais importante, é que nos divertimos. Temos todos a atitude certa para este projeto e as pessoas adoram os Route N2 por isso mesmo.

 Qual a opinião sobre o universo musical que evolui na região do Alentejo?

No Alentejo há muito talento em várias áreas, contudo, a meu ver, há oportunidades, mas apenas para alguns espaços musicais. Os municípios estão a fazer um excelente trabalho na divulgação do cante, daquilo que é nosso culturalmente, mas com este merecido mérito que o cante está a ter a nível nacional e internacional, as bandas, que seguem outras linhas musicais, têm vindo a ser prejudicadas, cada vez mais, por falta de oportunidades. E é importante ver que a cultura não é só uma coisa, a cultura é muito mais abrangente do que o género A ou B.

 

Que papel desempenha o Alentejo nos projetos artísticos de Pedro Abreu?

É preciso haver uma mentalidade aberta para aceitar um pouco de tudo o que os alentejanos têm para oferecer. Não consigo responder a esta pergunta com clareza, mas, no meu mundinho da inocência, espero que num futuro próximo o cante continue a ser o rei do Alentejo e que seja generoso o suficiente para dar sempre espaço aos outros géneros, porque, como já disse, e pode parecer que não, mas as pessoas quando ouvem um rock n’ roll ficam a dançar e a cantar connosco até de madrugada, se for preciso.

 Que sonhos artísticos moram em Pedro Abreu?

Quero tocar e tocar e ter momentos divertidos com as pessoas que tocam comigo e com quem tenho uma amizade. Depois de um concerto, quer seja para 1000, quer seja para 10 pessoas, se ao adormecer não vejo o sorriso estampado na cara das pessoas, então esse não foi um bom dia. Claro que, se puder, um dia, fazer da música vida com os meus originais, tanto melhor, não vou mentir. Mas, até lá, tenho o meu trabalho e vou desfrutando de cada oportunidade para tocar.

 O que está na manga?

A pergunta de um milhão…! Estou a trabalhar num novo LP, que dará continuidade ao EP “Lado A”, e que ainda não tem data prevista de lançamento, mas que está em fase final de acabamentos de composição. Terá uma onda simples, mas progressiva, e será mais audaz em termos de temáticas, porque desafia questões sociais e políticas de forma introspetiva. Vamos estrear, no início deste ano, no 7Arte Café, um novo projeto de música portuguesa. Um grupo composto pelos membros integrantes dos Route N2 e ao qual adicionamos a voz doce de Clara Sá, que partilha as partes vocais comigo. É uma espécie de adaptação de música portuguesa dentro do género dos Resistência. E para além da parte musical, tenho no meu computador uma desordem de poemas e pensamentos por acabar e/ou melhorar, e gostaria de juntar tudo direitinho para lançar um livro de poesia.

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