Diário do Alentejo

Joaquim Fialho: “Somos a região do País que mais confia na informação que circula nas redes sociais”

20 de outubro 2023 - 11:00
Foto | D.R.Foto | D.R.

Joaquim Fialho nasceu em 1973, é natural de Beja, residiu em Ferreira do Alentejo até aos 24 anos e atualmente vive em Évora. A sua atividade profissional divide-se entre as funções de dirigente no Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP) e a carreira académica, sendo docente no Instituto Superior de Gestão, em Lisboa.

É licenciado em Serviço Social e mestre em Sociologia. Em 2008 concluiu a tese de doutoramento em Sociologia, em que aplicou a metodologia de análise de redes sociais para medir as lógicas e os processos de cooperação entre organizações.

As redes sociais assumem-se, há duas décadas, como o seu território de investigação: desenvolve atividades de analista de redes sociais e é investigador integrado do Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social da Universidade Lusíada; participa como conferencista em eventos nacionais e internacionais sobre redes sociais e estratégias de intervenção social; coordenou o 1.º e o 2.º Congresso Internacional de Redes Sociais, nos anos de 2017 e 2018; foi investigador integrado do CICS.NOVA – Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais; participa regularmente como comentador sobre questões associadas a redes sociais em vários órgãos de comunicação social; é investigador responsável pelo projeto de investigação “Scroll. Logo existo! Os comportamentos aditivos no uso da Internet e das redes sociais” (em curso) e “Os portugueses, as redes sociais e as competências digitais” (concluído em 2022), com financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Ainda na vertente académica, foi, entre os anos de 2009 e 2019, professor auxiliar convidado no departamento de Sociologia da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora; entre 2010 e 2013, foi docente no Campus Universitário de Santo André do Instituto Superior de Estudos Interculturais e Transdisciplinares (Instituto Piaget), onde integrou vários cargos académicos; e desde o ano de 2008 até ao presente desenvolve a atividade de tutor da Universidade Aberta, no departamento de Ciências Sociais e Gestão.

Deste vasto trabalho de investigação académica resultam várias obras publicadas, com destaque para os títulos: Redes sociais. Ilusão, obsessão e manipulação, 2023; O uso das redes sociais e as competências digitais dos portugueses, 2022; Manual para Intervenção Social, 2021; Redes Sociais. Como compreendê-las?, 2020; Redes sociais: para uma compreensão multidisciplinar da sociedade, 2018; Diagnóstico Social. Teoria, metodologia e casos práticos, 2017 e 2015; Prospetiva estratégica: teoria, métodos e casos reais, 2017; Iniciação à Análise de Redes Sociais. Casos Práticos e Procedimentos com Ucinet, 2013; e Formação profissional. Práticas organizacionais, políticas públicas e estratégias de ação, 2013.

 Quando e como começou este trabalho de investigação em torno das redes sociais?

Comecei a estudar redes sociais em 2003 quando iniciei o doutoramento em Sociologia. Estas redes que comecei a estudar não tinham qualquer relação com as atuais redes sociais digitais. Aliás, em 2003, ainda não havia, por exemplo, Facebook. Comecei por estudar redes de cooperação entre organizações e todo o meu trabalho até 2017 foi sobre estas dinâmicas de rede. Em 2017, quando coordenei o Congresso Internacional de Redes Sociais, fui convidado por colegas do Brasil para fazer uma conferência de abertura num congresso no Rio de Janeiro. A partir desta fase integrei uma rede de investigadores brasileiros cujo foco são as redes digitais. A partir daqui tem sido um processo de crescimento em termos de aprendizagem e investigação sobre as redes sociais digitais. Mudei por completo o foco.

 

Chegou a experimentar outra valência de escrita sem ser a científica?

Ao longo destes 20 anos o meu foco tem sido a escrita científica que resulta dos meus trabalhos de investigação, sobretudo, com a publicação de artigos e livros técnicos. Em 2022 comecei a escrever o meu primeiro ensaio: Redes sociais. Ilusão, obsessão e manipulação. É um livro de análise sociológica sobre a mudança que o mundo das redes sociais está a provocar nas sociedades desenvolvidas. É um livro de serviço público. Senti a necessidade de dar um passo mais arriscado, passando da escrita de investigação para um nível de escrita mais reflexivo e com uma lógica de ensaio. Mas continuo a produzir escrita científica. Até final do ano vão sair mais dois livros meus que ainda não posso revelar.

 

Redes Sociais: ilusão, obsessão, manipulação, publicado em janeiro de 2023. O que pode revelar mais sobre a obra?

É um ensaio que foge à minha linha de escrita científica. Nesta obra convido o leitor para uma viagem sobre as transformações nas relações de sociabilidade provocadas pela penetração das redes sociais nas nossas vidas. O foco está nos novos padrões de comportamento que daí resultam: a ilusão da felicidade, a obsessão por estar ligado e a ligeireza como somos manipulados pelos gigantes tecnológicos são temas analisados ao longo do livro. As redes sociais tornaram-se salas de convívio global. A amizade subjugou-se a relações algorítmicas e a vida em sociedade passou a ser mediada pela tecnologia. O corpo mercantilizou-se. Tornou-se uma mercadoria. O Instagram é uma montra de corpos perfeitos e esculpidos, sem espaço para rugas ou estrias. Os influencers tornaram-se arautos da propagação do consumo e da felicidade. Aliás, nas redes sociais, não há espaço para a tristeza. Os bancos do jardim, outrora espaços privilegiados para as relações amorosas, foram substituídos pelo Tinder. Os sites de encontros são o expoente de uma banalização das relações humanas e da decadência de valores essenciais como a intimidade e a respeito próprio. As nudes são um sinal da promoção do corpo e da vulgarização do espaço privado. Neste livro apresento uma visão crítica sobre a ilusão, obsessão e manipulação que ocorre no mundo das redes sociais. É um livro de leitura obrigatória para quem quer compreender o outro lado da vida nos ecossistemas digitais. Quem quiser continuar a ser ludibriado não leia este livro.

 Quais as principais motivações para o tema das redes sociais?

As redes sociais digitais são um ecossistema que reflete o que de melhor e de pior há em nós e produzem um palco em que os atores sociais se transformam. Ganham uma espécie de superpoderes atrás do ecrã. Toda esta lógica de transformação social no mundo digital despertou o meu interesse, não só pessoal, mas, sobretudo, uma adoração pelas constantes descobertas que estou a fazer. Por ser algo novo e que ainda não está suficientemente estudado, descobri aqui um campo de interesse.

 Nestes 20 anos de investigação em redes sociais, que mudanças foram verificadas?

 

As redes sociais digitais vieram provocar profundas alterações no domínio do espaço público e privado, nomeadamente, a perda de limites e a propensão para o insulto fácil. Em analogia ao Umberto Eco vieram dar voz a uma legião de imbecis que de outra forma não eram ouvidos. Há, também, um lado muito positivo, que resulta, sobretudo, da facilidade de aproximar e ligar pessoas. Há muito mais a dizer. Faço esta reflexão no meu livro Redes sociais. Ilusão, obsessão e manipulação.

 Enquanto investigador na área das redes sociais, o que é que estas acrescentaram de bom à sociedade? 

 

O que teria sido a pandemia recente sem as redes sociais? A aproximação de pessoas e a simplicidade com que comunicamos são, na minha perspetiva, as duas principais contribuições para o lado amistoso.

 

E o que trouxeram de menos bom?

Há muitos. Há quem diga que o meu livro Redes sociais. Ilusão, obsessão e manipulação é um manifesto anti-redes sociais. O maior perigo é a obsessão por estar ligado e esquecermos que a vida se faz através de relações presenciais. O digital não se pode sobrepor ao contacto físico. Mas há muitos mais perigos: ameaças às democracias, roubo de identidade, notícias falsas, manipulação da opinião pública, entre muitos outros.

 

Existem dados específicos sobre o papel das redes sociais no Alentejo?

No livro O uso das redes sociais e as competências digitais dos portugueses (2022), que resulta de um projeto de investigação que coordenei, há dados sobres as várias regiões do País. Sobre o Alentejo há um dado que se destaca e que nos deve preocupar: somos a região do País que mais confia na informação que circula nas redes sociais. Há também um dado que se sobressai em todas as regiões: quanto mais baixo for o nível de habilitações e rendimentos dos utilizadores maior é a confiança nas redes sociais. Há uma correlação entre habilitações, rendimentos e confiança.

 

Ao longo deste percurso de escrita e investigação em torno das redes sociais tem alguma história inusitada que queira partilhar?

Conto vários casos concretos no livro, mas recordo aqui uma jovem que entrevistei no Porto e que refere que quando entra no metropolitano se sente descontextualizada por não estar a olhar para o smartphone e à sua volta estar tudo focado nos ecrãs.

 

Como especialista em redes sociais, duas dicas simples para um uso adequado das mesmas.

A moderação e a ponderação são o melhor conselho que posso dar.

 

O que se perspetiva ser o futuro das redes sociais?

Os próximos tempos vão ser de grandes transformações. O Metaverso e a Inteligência Artificial vão mudar por completo a experiência de utilização das redes sociais e a forma como elas vão continuar a nos manipular. Estou preocupado!

 

O que está na “manga” e que possa ser revelado?

Estou a terminar um projeto de investigação que se chama “Scroll. Logo existo”, que aborda os comportamentos aditivos no uso da Internet e das redes sociais. Os resultados deverão ser apresentados em Lisboa, no início de 2024. Vou iniciar um outro sobre a solidão na vida digital, também financiado pela FCT, ambos enquadrados no Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social da Universidade Lusíada de Lisboa.

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