Diário do Alentejo

Gabriela Ruivo Trindade: "O contacto com linguagem e textos complexos estimula tanto a imaginação como o gosto pela escrita e a vontade de escrever”

04 de julho 2023 - 09:00
Foto | André Ngan MengFoto | André Ngan Meng

Filha de pais alentejanos, nasceu em Lisboa no ano de 1970 e reside, desde 2004, em Londres. É formada em Psicologia, e refere que um dia já foi psicóloga, mas também já foi formadora, gerente de loja, logista e voluntária como assistente de educação.

 

Hoje é escritora, editora, tradutora, organizadora de projetos culturais, curadora, gerente e assistente de marketing na Miúda Children’s Books in Portuguese, uma livraria on line, e na Soul Mojo, uma loja de roupa on line.

 

Eis, na primeira pessoa, Gabriela Ruivo Trindade, vencedora dos Prémios LeYa 2013 e PEN Clube Português Primeira Obra 2015.

 

 

Texto Luís Miguel Ricardo 

 

Quando e como foi descoberta a vocação para as letras?

Escrevo desde criança. Já na primária as minhas estórias faziam algum sucesso na sala de aula. O desejo de escrever surgiu à medida que ouvia a minha professora da quarta classe ler As Aventuras de João Sem Medo, do José Gomes Ferreira. Pode dizer-se que essa foi a minha maior influência. Curiosamente, não é um livro para crianças, e duvido que hoje em dia autorizassem uma professora do ensino primário a lê-lo na sala de aulas. O que é uma pena. Eu sempre li livros que não eram considerados adequados à minha idade. Tentei ler a Tragédia da Rua das Flores aos 10 anos, mas desisti. No entanto, li outros do Eça um ou dois anos depois, e acredito que o contacto com linguagem e textos complexos estimula tanto a imaginação como o gosto pela escrita e a vontade de escrever.

 

Experimentando várias valências da literatura, há algum registo literário de eleição?

Não tenho uma preferência. Já escrevi romances, contos e poesia.

 

Onde vai a Gabriela beber inspiração para a criação literária?

Tudo nos pode servir de inspiração. De um modo geral, as coisas mais pequenas e aparentemente insignificantes. Outros livros também nos inspiram. Em suma, vamos beber à nossa imaginação, que é um poço inesgotável.

 

Traduzir literatura é emprestar palavras ao autor para contar a sua história a pessoas de outras geografias. Como é a experiência de traduzir literatura?

Traduzi um livro do inglês, Uncle Tom’s Cabin, da Harriet Beecher Stowe, para a Sibila Publicações. Traduzir é um exercício moroso, que exige muita atenção e cuidado. Traduzir é reescrever, recriar um texto noutra língua, e daí poder ser considerado um trabalho de criação literária, mas o estilo e a intenção do autor têm de lá estar. O tradutor precisa de se anular em termos de estilo literário para que o texto do autor transpareça no seu trabalho. Um exercício difícil e bastante altruísta, mas fascinante.

 

Que papel desempenha o Alentejo na produção literária de Gabriela Ruivo Trindade?

Um dos meus romances, Uma Outra Voz, vencedor do prémio LeYa em 2013 e do PEN Clube Português em 2015, passa-se em Estremoz, cidade alentejana e berço dos meus pais. Este romance baseia-se na vida de João Francisco Carreço Simões, tio-avô da minha avó materna, figura importante na história da cidade. Uma Outra Voz é uma narrativa ficcional a várias vozes que retrata a vida das personagens e, ao mesmo tempo, as liga ao universo coletivo e à História do País, tendo como centro, por vezes deslocado, a mesma personagem fascinante e omnipresente, ainda que dele apenas vislumbremos a ausência de quando em vez.

 

Vencedora do prémio Leya em 2013. O que mudou na carreira literária a partir desta distinção?

A principal mudança foi ter-me tornado autora publicada.

 

“Mapas do confinamento”. Como nasceu este projeto e como foi agregar autores de várias geografias?

Sou co-fundadora deste projecto com o meu amigo Nuno Gomes Garcia, escritor português residente em Paris. Surgiu da nossa necessidade de fazer alguma coisa durante a pandemia que pudesse servir de memória futura dos tempos de confinamento. Conseguimos reunir mais de uma centena de artistas de língua portuguesa, entre escritores, poetas, artistas plásticos e fotógrafos, e também tradutores para inglês, francês e chinês. Somos uma comunidade muito rica e diversificada. Podem visitar-nos em www.mapasdoconfinamento.com/.

 

Gabriela desempenha também o cargo de presidente do conselho cultural da Associação Internacional dos Luso-Descendentes (AILD) no Reino Unido. Que projetos são desenvolvidos no âmbito desta associação?

A AILD é uma associação recente que tem como objetivo divulgar e promover as culturas de língua portuguesa pelo mundo, o que vem ao encontro dos objetivos do projeto “Mapas do Confinamento”, de que falei atrás, e juntar-me à AILD foi, assim, a sequência óbvia nesse percurso. Em termos de projetos no Reino Unido temos o “Portuguese in Translation – PinT – Book Club”, um clube de leitura onde discutimos livros de autores de língua portuguesa traduzidos para o inglês com a presença do autor e do tradutor. As sessões são gratuitas e em formato on line, e já contamos com sete livros ao longo de ano e meio, entre os quais se destacam autores como Dulce Maria Cardoso, Paulo Scott, Afonso Cruz, Ondjaki, Emílio Fraia, José Eduardo Agualusa e Susana Moreira Marques. Podem visitar-nos aqui: www.pintbookclub.com/.

 

O que está na “manga” a curto e médio prazo?

O próximo romance sai já em fins de setembro, e terei novidades em breve.

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