Diário do Alentejo

Vidigueirense João Roberto sagrou-se campeão nacional de tiro com arco na cidade de Viseu

17 de março 2024 -
“Em terras de Viriato mandou o Lidador”
Foto| Firmino PaixãoFoto| Firmino Paixão

“Não sei se isto foi o princípio de alguma coisa, mas gostaria imenso de juntar a este título de sala um título de campo. Gosto mais das provas de campo, porque temos muito mais a sensação do desporto ao ar livre. É mais saudável e, às vezes, existem aqueles finais de tarde em que é muito interessante e agradável estarmos num campo muito colorido, com muitos atletas e com o ruído próprio da modalidade”.

 

Texto e Foto Firmino Paixão

 

Uma projeção ou um desejo legítimo, sentimentos expressos por João Roberto, de 52 anos, casado, natural de Vidigueira, atleta do Clube Vela de Tavira que, recentemente, conquistou na cidade de Viseu o título de campeão nacional de tiro com Arco, na categoria de veteranos, em sala, divisão recurvo, derrotando, na final, o credenciado Domingos Vaquinhas. João Roberto confessou: “Saí da Vidigueira para Viseu com 25 por cento de probabilidades de ganhar. As minhas duas filhas acreditavam mais em mim do que eu próprio, ou, pelo menos, eu não o verbalizava. Mas fiz o meu trabalho, treinei afincadamente e, felizmente, as coisas correram pelo melhor. Fui campeão nacional. Foi algo fantástico! Direi mesmo que, em terras de Viriato mandou o Lidador”.

Os progenitores eram de Alcaria da Serra (freguesia de Selmes, Vidigueira), mas João Roberto nasceu, acidentalmente, em Évora, cidade onde, mais tarde, haveria de estudar, razão que o leva a ironizar: “Gosto da cidade de Évora, estudei lá e costumo dizer que em Évora nasci uma vez e renasci duas ou três, mas, sim, sou da Vidigueira, completamente”. Claro, quem é que não gostará de crescer e viver rodeado de vinhas e vinhedos com as melhores castas. “Essa é, e continuará a ser, a parte boa da Vidigueira. É uma dimensão que nos projeta, que tem, de facto, um enraizamento que dificilmente será substituído por outro. A questão do vinho, sobretudo, do vinho de talha, é uma mais-valia que temos que continuar a alavancar, não apenas fazendo parte da cultura de todos os vidigueirenses, mas um elemento que, numa sociedade contemporânea, nos pode trazer mais-valias, das quais o interior do País precisa muito”. Nem mais. A infância deste bancário de profissão foi intensa. “Jogávamos à bola todas as tardes neste jardim Vasco da Gama. Éramos a ‘malta da baixa’, curiosamente, existe outra zona da vila que nós dizíamos que era ‘a alta’ e, até há bem pouco tempo, aquela estátua do Vasco da Gama tinha um ‘FCB’ pintado a vermelho, com uma tinta dificílima de remover, que poucos sabiam o que queria dizer, que era, exatamente, Futebol Clube da Baixa. Éramos nós que, todas as tardes, jogávamos aqui à bola. Adorávamos!”.

Para além do jogo da bola, teve uma outra paixão, as artes marciais: karaté, jiu-jitsu, entre outras. “Andei com o pessoal do sensei João Diniz, de quem tenho excelentes recordações. Continua a ser uma família que me agrada muito reencontrar”. As artes marciais, como fez notar, conferem “um conjunto de competências de concentração, de compreensão da própria reacção do corpo. O esquivar, que é importante nas artes marciais, mas, sobretudo, na vida, é, no fundo, uma forma de nos posicionarmos sempre de modo a tirarmos daí a nossa própria vantagem”.

O ponto de partida para o percurso académico foi, naturalmente, em Vidigueira, passou por Beja e terminou em Évora, “Licenciei-me em Gestão de Empresas, em Beja, fiz mais duas pós-graduações, uma em Economia Agrícola, outra já numa área profissional, em ‘Compliance’, fiz mestrado em Relações Internacionais e Estudos Europeus, e doutorei-me em Teoria Jurídico-Política em Relações Internacionais”. Não foi coisa pouca. Um rico e diversificado currículo, que João Roberto justificou: “Sempre achei que o mais interessante na vida é termos uma visão transversal das coisas. Faz-me uma certa impressão os ‘especialistas’ que sabem, com um nível de profundidade extraordinária, tudo sobre a ‘patita’ da mosca, mas, depois, tudo o resto lhes passa ao lado. Gosto mais de uma perspetiva transversal e totalizante da vida, porque acho que essa é a mais interessante”.

E o tiro com arco? Foi coisa da “ternura dos 40”? “Foi um bocadinho isso, mas foi também uma forma de mostrar às minhas filhas, e elas são hoje a minha verdadeira inspiração, que quando gostamos de qualquer coisa, tudo é possível, independentemente da idade que temos. Claro, desde que nos empenhemos e estabeleçamos um compromisso com aquilo que pretendemos”. Mais adiante, mobilizou as filhas e pô-las também a atirar: “Aconteceu com naturalidade. Foram elas que, após verem-me praticar e depois de estarem contextualizadas com a modalidade e já conhecerem as pessoas, a certa altura me disseram que também queriam praticar”. O gosto foi tal que até ultrapassaram o elemento inspirador, porque conquistaram títulos mais cedo do que o pai. Joana, de 19 anos, estudante de Gestão, é bicampeã na disciplina de campo, e Laura, de 14 foi vice-campeã na disciplina de sala. “Acho que a Laura e a Joana têm aquilo que, há 10 anos, a minha ‘ternura dos 40’ já não me permitia ter. Aquela elasticidade e a capacidade de aprendizagem dos gestos técnicos que se possuem aos 12 e aos 16 anos, mais ou menos a altura em que elas começaram a praticar, são muito superiores a quem já está na casa dos 50. Eu compenso em esforço aquilo que elas conseguem com a sua dinâmica de juventude”.

Chegados aqui, a questão é inevitável: qual é, entre os três, o melhor atirador? As filhas ficaram em silêncio, a resposta foi de João Roberto: “O melhor não sei. Mas o pior sou eu, tenho a certeza”. Uma fuga para a frente… “Claro, quando não sabemos para onde havemos de escapar, fugimos para a frente”, confessou.

Finalmente, o Clube Vela de Tavira. Como e porque desaguou um vidigueirense nas margens do rio Gilão? “Não conhecia o Vela de Tavira como clube, mas, no sul do País, era o único que estava filiado na Federação Portuguesa de Tiro com Arco. Tive a felicidade de conhecer lá pessoas fantásticas, entre as quais, gosto sempre de destacar, o meu treinador, Paulo Viegas, a pessoa que me abriu as portas do tiro com arco, mas, ao fim de algum tempo, já tinha feito um conjunto de amizades, e essa é a parte bonita das coisas e da vida, porque, independentemente do caminho que venha a seguir, daquelas pessoas jamais me esquecerei. Essa é a parte gratificante e são esses os valores do desporto que devem estar presentes todos os dias na nossa vida”, concluiu.

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