Diário do Alentejo

Centro Cultural Desportivo e Recreativo da Casa do Povo de Quintos assinala cinquentenário da sua fundação

24 de fevereiro 2024 - 12:00
Um marco histórico

As comemorações do cinquentenário do Centro Cultural Desportivo e Recreativo da Casa do Povo de Quintos terão o seu ponto mais alto no próximo dia 10 de junho, que é também a data oficial da sua fundação.

 

Texto e Foto | Firmino Paixão

 

A equipa de futebol do CCDR da Casa do Povo de Quintos está empenhada na disputa de mais uma edição da, agora, designada Liga de Futebol de 11 da Fundação Inatel. No último sábado recebeu o Sanjoanense Futebol Clube, equipa de São João dos Caldeireiros, no concelho de Mértola, um prélio que testemunhámos.

Naquele hectare de terra de saibro bege, previamente passado a rolo para o tornar mais macio, sobressaiam as linhas com formas geométricas avivadas a pó de cal. As áreas, a pequena e a maior, a marca de penalti, espaços onde de decidirão os lances capitais, as linhas laterais e as de fundo, o grande círculo e os quartos, em cantos opostos, onde esvoaçam as bandeirolas. Quinzenalmente, na tarde de sexta-feira anterior a cada jogo em casa, o presidente, o professor José António Piriquito, e o capitão de equipa, o engenheiro Filipe Felizardo, duas das “alma maters” do clube, são os responsáveis por estes aprumos. Ainda não chegou o tempo, nem a forma, de arrelvar aquele espaço, como já aconteceu na vizinha Cabeça Gorda e está a acontecer na, ainda mais vizinha, Salvada, algo que o tornaria, inquestionavelmente, mais apelativo, para que ali aportassem mais e melhores talentos e lhe acrescentasse mais conforto, de forma a ser mais apelativa para os espectadores. De resto, aquela terra, como tantas outras por este Alentejo fora, tem perdido população. Os jovens foram embora, os que ficaram estão, maioritariamente, no outono da vida, à espera que um dos próximos invernos lhes mude a condição.

À entrada do campo, propriedade da União de Freguesias de Salvada e Quintos, a placa que, em 1 de outubro de 2016, ali foi edificada, assinalando que o espaço se chamaria Campo de Futebol António Francisco Felizardo. Uma homenagem justa a um homem que naquele centro de cultura e desporto terá feito um pouco de tudo. Um antigo autarca, fundador e inspirador do clube, dirigente, às vezes treinador, motorista, roupeiro, enfim, o alicerce de um polo associativo que é único na aldeia e que é, tão só, o mais antigo e assíduo centro desportivo a competir, ininterruptamente, nos campeonatos de futebol da Fundação Inatel do distrito de Beja, organismo que, nos tempos do Estado Novo, se designava de Federação Nacional para a Alegria no Trabalho. Era assim. Eram as vicissitudes próprias da ditadura. Trabalho mal pago, salários miseráveis, prolongado de sol a lua, sem regras nem conceitos, mas com alegria, pois claro. Hoje as coisas estão diferentes. No ano em que se celebra o cinquentenário da Revolução dos Cravos, quase tudo está, felizmente, diferente. Mas estes e outros exemplos de dedicação e de resiliência, em alguns casos de pura resistência, de António Felizardo e dos outros Felizardos que existem ainda pelo Alentejo fora, deviam ser revelados às novas gerações, nos clubes, nos centros de cultura, mas, principalmente, nos bancos de escola, porque é ali onde também se molda o carácter e se forma a personalidade. O português e a matemática são fundamentais, a literatura, a geografia e as ciências serão relevantes, as novas tecnologias e a atividade física estimulantes, mas a história contemporânea seria essencial nos programas curriculares. Mas não é a história longínqua, a história das monarquias e dos reis que plantaram pinhais, é a história mais recente e bem documentada, a história dos horrores de uma ditadura de quase meio século.

Na aldeia de Quintos ainda se tomava o café do almoço. O aroma saía pela porta do Snack Guadiana, com duas “tarrafas” decorando as janelas, recordando a tradição piscatória da aldeia. O campo fica cerca de seiscentos metros mais adiante, em direção ao lugar de Pisões, na estrada que ligava ao antigo apeadeiro ferroviário. Um muro de ciprestes esconde os postes com os holofotes que iluminam a campo. Seriam 12 se, recentemente, os amigos do alheio não tivessem roubado um par deles. O pelado estava pronto para receber a décima primeira jornada do campeonato. A temperatura era amena, uns 18 graus de um dia ensolarado, ainda que soprasse uma ligeira brisa vinda das encostas do Guadiana, cujas águas mansas correm ali a cerca de quatro quilómetros e meio.

Os ponteiros do relógio acabavam de dobrar as 14 horas quando surgiu Filipe Felizardo ao volante da carrinha do clube. Abriu os balneários e também o bar, que fica na cabeceira oposta, onde se veem algumas, poucas, cadeiras amarelas e azuis, as cores do clube, fixadas a uma espécie de anfiteatro em betão que, um dia, será um projecto de bancada. O presidente e treinador chegou com alguns atletas e os restantes vieram a conta-gotas, tal como a equipa adversária, acabada de cumprir os cerca de 65 quilómetros entre São João dos Caldeireiros e Quintos. Passavam 20 minutos das duas da tarde quando chegou o trio de arbitragem, vindo de Vila Viçosa e chefiado por João Claréu. O público também foi chegando espaçadamente. Nunca superou as 40 pessoas, postadas na cabeceira ocidental, perto do bar, onde, claro, estava bem mais fresco. No final da partida veio ao cimo essa sublime característica do amadorismo puro e duro.

Daniel Martins, técnico dos forasteiros, referiu: “Estivemos melhor na primeira parte, na segunda o Quintos equilibrou mais o jogo, mas o zero a zero é um resultado justo. A bola é redonda e o triunfo pode sempre cair para um dos lados. Andamos aqui pelo companheirismo, para sermos felizes e para mantermos o futebol na nossa aldeia, como forma de nos juntarmos todos ao fim de semana”. O técnico local, José António Piriquito, por sua vez, disse: “O fundamental é que hoje tivemos aqui 17 jogadores e jogaram todos eles. Não treinamos. Os jogadores abdicam do seu tempo livre para estarem aqui, portanto, não faria sentido que não jogassem todos. O resultado é o que menos interessa”. O essencial, reforçou, “é manter esta instituição ativa, fazendo jus à memória do seu fundador”. E continuou: “Somos o clube mais antigo do Inatel, em termos de prática ininterrupta, estamos a comemorar 50 anos de idade e 49 de competição. Vamos assinalar esse marco no Dia de Camões, a data em que o dr. Belard da Fonseca, que era proprietário deste terreno, no-lo cedeu para mantemos a atividade”. Para o assinalar, antecipou o líder do clube, farão “um jogo de veteranos com um clube francês”, organizarão um espetáculo musical e um jantar de gala.

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