Diário do Alentejo

Mértola United Futebol Clube suspendeu futebol sénior e não competirá no “Distritalão”

12 de agosto 2023 - 12:00
Tudo “em águas de bacalhau”
Foto | Firmino PaixãoFoto | Firmino Paixão

Campeão distrital da 2.ª divisão da Associação de Futebol de Beja logo na primeira época em que iniciou a sua atividade federada, o clube, fundado em abril de 2022, acabou por suspender a equipa de seniores.

 

Texto Firmino Paixão

 

O Mértola United Futebol Clube conquistou o título distrital do segundo escalão da Associação de Futebol de Beja (AFBeja) e, por essa via, o direito a competir, na temporada em curso, no escalão principal, possibilidade que esbarrou nos regulamentos da prova. Com um plantel maioritariamente formado por jogadores vindos do Brasil, não conseguiria ir a jogo todas as semanas apresentando, pelo menos, oito jogadores formados localmente, como exige o regulamento oficial de provas da AFBeja.

 

Em face disso, o clube presidido por Pedro Madeira deu um passo atrás e suspendeu toda a atividade ao nível dos seniores, prometendo apresentar uma equipa sub/14. Valdemar Afonso e os jogadores que comandava já rumaram a outras paragens.

 

O projeto parecia navegar tranquilamente nas águas do Guadiana. Afundou-se ou sofreu apenas um pequeno rombo?

A nossa ideia não é acabar com o projeto. Queremos que o clube continue e, por essa razão, fizemos a sua filiação na AFBeja. Só não inscrevemos a equipa sénior porque ponderámos e concluímos que não teríamos condições para competir na 1.ª divisão, porque só tínhamos dois jogadores formados localmente e na assembleia-geral de 31 de maio foi aprovada uma nova regra, por alguns clubes, que obriga as equipas a inscrever, na ficha de jogo, oito [antes eram seis] jogadores formados localmente. Nós só tínhamos dois inseridos no projeto, com possibilidade de treinarem duas vezes por dia. Ainda falámos com mais alguns que trabalham nas minas e que não só não podiam treinar, como existiriam fins de semana em que não poderiam jogar. Concluímos que o melhor seria não inscrever a equipa, para evitarmos problemas futuros com o cumprimento o regulamento.

 

Foram campeões a 13 de maio e no dia 31 do mesmo mês uma alteração no regulamento dificulta-vos competir no primeiro escalão. Não acha estranho?

O regulamento anterior obrigava a seis jogadores formados localmente, algo que era muito mais fácil de cumprir e nós arriscaríamos. Agora, com os oito, as coisas ficaram muito mais complicadas, porque não podemos ter apenas oito, teremos de contar com lesões e castigos, por isso teríamos de ter, pelo menos, uns 12.

 

Qual o sentimento com que encarou esta contrariedade?

Um sentimento de remar contra a maré. Mas não foi só de agora, tem sido desde que iniciámos este projeto. Desde o primeiro dia que remamos contra a maré, com muitos entraves, muitas dificuldades para superar, muitas pessoas contra. Debatemo-nos contra mentalidades fechadas, provincianismos de toda a espécie, tentando sempre espezinhar uma coisa que só vinha trazer qualidade ao futebol desta região. Foi isso que nós trouxemos. Devo dizer que os nossos jogadores, no espaço de um dia, receberam 34 propostas de trabalho, só por aí se vê a qualidade que tínhamos no plantel.

 

A qualidade do plantel do Mértola United valorizava o futebol regional?

Não tenho dúvidas. A nossa equipa, neste ano, ainda estava mais forte e seriamos, certamente, um forte candidato ao título. Tinha tudo preparado para iniciar o processo de certificação do clube, porque temos um escalão de formação já em andamento e íamos preparar um segundo, e foi tudo “por água abaixo”, pois não valeria a pena estar a certificar o clube, uma vez que estamos impedidos de concretizar o nosso objetivo, que era chegarmos ao Campeonato de Portugal.

 

Equacionaram a possibilidade de manter o clube a competir no segundo escalão?

Nem sequer ponderámos isso. Fomos campeões nesse escalão, portanto, nem faria sentido darmos esse passo atrás. Seria rebaixarmo-nos perante esses senhores que, de alguma forma, nos quiseram cortar as pernas.

 

O clube esteve presente na assembleia geral de 31 de maio?

Não. Não estivemos presentes, mas a votação foi unânime, portanto, mesmo que estivéssemos presentes as alterações teriam sido aprovadas na mesma, seríamos uma gota de água no oceano. Isto foi tudo orquestrado por meia dúzia de clubes e a AFBeja deu legitimidade a essa meia dúzia para alterarem o regulamento, e assim foi. Perderam uma equipa que iria valorizar e dar mais visibilidade ao campeonato em termos de qualidade, uma visibilidade para outras associações. E ficou assim, querem ficar na mesma pasmaceira. Não será por acaso que a AFBeja será, porventura, a associação com jogadores com a média de idades mais elevada do País, com muitos atletas dos 35 aos 44 anos.

 

Já tinham recebido alguns reforços para o plantel. O que é feito de todos esses jogadores?

Ficámos com os que tínhamos e recebemos mais seis novos jogadores. Já todos arranjaram outros clubes. O treinador também já foi embora, com o mesmo sentimento de desilusão, porque fez um excelente trabalho na primeira época em que aqui esteve. Os jovens gostavam todos muito dele, e pronto, todos seguiram o seu caminho.

 

Como é que as pessoas de Mértola encararam este desfecho?

Tenho ouvido comentários contra e a favor. Há pessoas que nos têm apoiado porque compreenderam a situação, outros nem por isso. Existem muitos projetos destes no País, mas as pessoas só comentam aqueles que correm mal. Connosco ainda não tinha corrido nada mal, estava tudo em ordem e até tínhamos um alojamento novo para os atletas. Ficou tudo em águas de bacalhau e com despesas feitas. Resta-nos encontrar soluções para liquidar todos os nossos compromissos. Não deixaremos de o fazer.

 

E o investidor mantem-se interessado no clube?

O investidor, o senhor Áureo Airosa, continua connosco, mantemo-nos juntos, estamos a reformular tudo. Não acabou nada, nem irá acabar, apenas suspendemos a equipa sénior e o clube manterá a atividade com uma equipa de iniciados. Temos uma parceria com uma grande técnico da formação a nível nacional, que me está a ajudar a coordenar a formação e a recrutar técnicos para os escalões mais jovens. Portanto, estamos a trabalhar em novas ideias e novos projetos. Não queremos que o clube acabe. Se isso acontecer não será por minha causa, certamente, mas isto foi um abalo muito grande, caímos ao chão e ainda nos estamos a levantar.

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